quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

AOS COMBATENTES SE SANTA BÁRBARA DE NEXE, MINHA TERRA

Como pedido pelo Sérgio, Secretário da Junta de Freguesia, afim de figurar inscrito, no todo ou em parte, num pequeno Memorial de homenagem aos Combatentes de Santa Bárbara de Nexe na Guerra Colonial.


Poema para memória de Combatentes da Freguesia

Frente ao perigo de vida ou morte o momento - prova
d’Homem - acontece.
Corpo e alma disputam coragens, despem o que parece,
são heróis nus à espreita, ela do céu ele da cova.
Nada lhes vale bradar aos céus, lamento, súplica prece,
gritar imprecações, sob metralha nada há que comova.

Deixámos a bela juventude, paz e arte de nossos ofícios,
alegria na Aldeia, doces amizades.
Ignoravamos se o império era tirania ou liberdades,
exigiram-nos sangue e sacrifícios.
Submetidos obrigados não discutimos justeza e maldades
da guerra, puros sem ideais, honrámos nobres princípios.

Dignos são de memória e honrosa nomeação inscrita
na pedra, mensagem ao vindouro nexense,
testemunho de filhos valorosos que houveram, pertence
comum de nosso chão amado, terra ínclita.
Tributo merece todo combatente que vencido vence
guerra e tempo, por cumprir acima do que o dever dita.


José Neves
Furriel Miliciano, Angola 1961-1963
Gorjões, 15.02.2011

domingo, 16 de outubro de 2011

ENCONTRO 149 DE 2011, 50 ANOS

Já foi ontem a confraternização comemorativa dos 50 anos 50, da nossa ida obrigatória para os perigos de vida e morte no teatro de guerra em Angola.
Passou-se meio Século e ontem estiveram reunidos os ainda sobreviventes, muitos deles acompanhados de filhos e netos. Ontem a reunião realizou-se em Lanceiros 2, Unidade herdeira do Reg. Cav.7, nossa Unidade de recrutamento, hoje extinta.
Dignos de memória, homenageamos os nossos mortos em combate com o apoio total do Comando da Unidade que celebrou connosco suas memórias de sacrifício de vida, com honras militares junto ao monumento onde constam perpetuados na pedra os seus honrosos nomes.
O nosso Comandante Rui Abrantes, embora com debilidades físicas, quis estar presente e presidiu à merecida e devida homenagem aos nossos mortos.
Devido a doença inesperada, faltou e fez imensa falta, a presença e alegria contagiante do Cor. Ruben, nosso antigo Alferes e 2º Comandante do Esquadrão que, sendo militar de carreira, foi mais um Alferes entre os milicianos com quem cimentou um grupo de forte amizade e coesão civil e militar de grande contributo para a glória do Esquadrão. Todos sentimos com emoção o facto da sua não presença e desejámos,e desejamos que a sua força de combatente e lutador indomável, regresse a seu corpo e vença mais esta batalha. E que volte rápido ao nosso convívio onde se sente muito a falta de sua palavra e opiniões sentidas acerca do nosso seu Esquadrão. .
Trocaram-se histórias boas e histórias más passadas na guerra, agora todas contadas com uma alegria de inolvidável saudade. O que foi mais perigoso ou doloroso para cada um é o que está mais presente na memória e os que viveram juntos esses momentos únicos, relembram uns aos outros novos pormenores, refazendo e tornando cada história já contada uma história nova.
E a forte e solidária antiga amizade nascida e selada sob o jugo do perigo vivido e sentido em comum, é fácil de observar estampada nos rostos destes militares na hora do encontro e troca entusiástica de alegrias entre si.


quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Discurso do Coronel RUBEN


Discurso do Coronel RUBEN, Alferes do 149, na Confraternização do Esquadrão 149 na Covilã em 1997.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

CONFRATERNIZAÇÃO 2011 DO ESQUADRÃO CAV.149

HÁ 50 ANOS


É JÁ NO DIA 15 DE OUTUBRO

REGIMENTO DE LANCEIROS 2 EM LISBOA

CONCENTRAÇÃO ÀS 1O,OO HORAS



CAROS AMIGOS CAMARADAS SOBREVIVENTES DE LUTAS DE VIDA E MORTE VINTE E QUATRO HORAS DIARIAMENTE, SOBREVIVENTES DE FOMES E ISOLAMENTOS PROLONGADOS, SOBREVIVENTES DE EMBOSCADAS, FERIMENTOS, ACIDENTES, INTEMPÉRIES, PALUDISMOS E OUTRAS DOENÇAS E MALES DE GUERRA.

FOMOS COMBATENTES DO INIGUALÁVEL ESQUADRÃO DE CAV. 149, INTÉRPRETES DE FEITOS MILITARES TÁTICOS E DE CORAGEM FORMIDÁVEIS APESAR DOS POBRES MEIOS E FRACOS APOIOS.

SOBREVIVENTES DE TÃO DURA PROVA DE VIDA CUMPRE-NOS O DEVER DE NOS REUNIR PARA HONRAR A MEMÓRIA DOS QUE TOMBARAM AO NOSSO LADO. FORAM ELES, PODIAM TER SIDO OUTROS OU NÓS MESMOS.
PELO SEU SACRIFÍCIO EM NOSSA DEFESA, DO ALÉM ELES SE TORNARAM SENTINELAS DE NOSSAS VIDAS.
PREPARE-MO-NOS PARA OS SAUDAR COM A PALAVRA-SENHA CERTA: PRESENTE.


quinta-feira, 18 de agosto de 2011

COMBATENTE, "EX-COMBATENTE"

Tornou-se predominante e por conseguinte vulgarizou-se o emprego de "ex-combatente" para designar quem foi militar e esteve envolvido em operações e combates no teatro da dita guerra colonial.
Porque meios racionais de pensamento se transformou o combatente em "ex-combatente"? Ou com que fim objectivo se procedeu, consciente ou inconscientemente, escrita e oralmente, a tal transformação?

Desde miúdo, com o meu pai e seus companheiros de guerra e trincheiras em La Lys, nas suas anuais festas comemorativas do 9 de Abril, me habituei a ouvir falar de combatentes sem "se", nem "mas" ou "ex". Todos memoriais, monumentos ou obras em memória e honra dedicados aos participantes mortos na guerra são erigidos e instituídos como monumentos ao combatente e nunca ao "ex-combatente". Nesse tempo e até ao fim da nossa traumática guerra colonial nunca ouvira falar de "ex-combatentes", nem existiram associações ou ligas de "ex-combatentes".

Penso eu, logicamente, que o que foi, foi, e não é possível de mudança: se fui dois anos consecutivos um combatente depois, acabada a guerra, deixei de o ser e já não fui? O que fui deixei de ser para tornar-me, transformar-me, num "ex", ou seja no que foi e deixou de ser.
Ter sido combatente numa guerra não é ter sido nomeado para o cargo de ministro ou empossado para um cargo ou função superior na administração do Estado. Pode dizer-se de alguém que foi um ministro afastado que é um ex-ministro mas não se diz de um combatente tombado que é um ex-morto. Semelhantemente, ninguém diz de um pensionista que é um ex-trabalhador, de um coronel na reserva que é um ex-coronel, tal como seria ridículo dizer-se de D. Afonso Henriques que foi o 1º ex-Rei de Portugal.
Ter sido combatente é tal qual como o Soldado, conhecido ou desconhecido, que foi herói condecorado num momento e ganhou intemporalidade: jamais poderá ser designado como ex-condecorado ou ex-herói condecorado.

Mas o "ex-combatente", a introdução desta denominação na linguagem dominante actual, talvez tenha tido uma motivação, subjectiva ou talvez mesmo objectiva, de acomodar o termo ao pensamento dominante anti-guerra colonial que prevaleceu até há poucos anos. A maioria dos que se escaparam para fora do país para não ir à guerra, foram na sua grande maioria intelectuais: políticos, artistas, escritores e homens de letras que também eram isso porque, além de sua capacidade intelectual e política para perceber a guerra, tinham capacidade de economia e conhecimentos para se organizarem e manterem lá fora sustentadamente.

Foram esses intelectuais que, regressados depois de Abril, ocuparam lugares dominantes na administração central, nas universidades, nas escolas, na literatura e em quase todos os meios culturais e de comunicação. Eles teorizaram e impuseram ao país o pensamento anti-guerra que os levara a fugir à tropa. Esse pensamento consistia em atribuir culturalmente a heroicidade aos opositores anti-guerra obrigados, pela consciência, a fugir para não matar numa guerra injusta, contra os combatentes obrigados, pela lei e força bruta do Estado, a dar o corpo às balas para matar ou não morrer.

Este pensamento dominante imposto pelos obrigados a fugir contra os obrigados a lutar, fez que durante muitos anos fosse tabu para os combatentes falar sobre a guerra. E se se viam na necessidade de falar dela, dado a inevitabilidade de poder ocultá-la ou esquecê-la, pelo facto concreto de existir exposto ao dia a dia, em ferida viva nunca tratada nem curada, milhares de feridos em combate feitos deficientes de guerra: era preciso suavizar os males do combatente fazendo-o "ex-combatente".

Deste modo os seus males e padecimentos, igualmente se tornavam ex-males e ex-padecimentos e os sofrimentos de fome e sangue passavam a coisa "ex", a ex-acontecimento: coisa que foi, há muito, coisa longínqua no tempo, coisa do passado, coisa que foi e já não é.
Esqueceram-se tais fabricantes desse pensamento dominante que se trata de marcas de sangue, de feridos deficientes físicos e mentais, de pais, mães, esposas e filhos que fazem romagem aos convívios anuais comemorativos do regresso, já normais e regulares entre combatentes, e sobretudo aos cemitérios onde ainda derramam lágrimas pelos seus mortos na guerra.
Esqueceram-se esses tais que, os sacrifícios de sangue nunca podem ser apagados, e pelo contrário, tendem a inscrever-se e perpetuar-se na pedra em tributo à sua honrosa memória. É o processo imparável que já se iniciou pela perda do medo de falar e contar tim tim por tim tim todos os horrores e felicidades passados nesse acontecimento histórico.

De tal modo se está dando a inversão do anterior pensamento dominante que os próprios esses tais são convocados e aceitam, sem corarem de vergonha, a fazer o discurso de elogio, quando não apologético, do comportamento cívico e militar do combatente.
Os combatentes foram o povo anónimo das aldeias remotas cujos descendentes se orgulham dos seus familiares combatentes e são hoje uma maioria dos portugueses: os troca tintas nunca perdem uma oportunidade de se misturar com a maioria do povo para melhor, outra e outra vez de novo, voltar a impôr ideias dominantes que sirvam interesses próprios.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

MEMÓRIA DE 10 DE AGOSTO DE 1961(*)


NAMBUANGONGO

Percorreram-se, desde Zala a Nambuangongo, 44 quilómetros de marcha contínua, realizando-se a progressão em lances alternados, com o apoio do pelotaão de artilharia que progrediu por escalões. Atingiu-se Nambuangongo às 9 horas de 10 de Agosto de 1961. Durante o percurso levantaram-se imensos "abatizes", destruiram-se instalações inimigas e beneficiou-se uma antiga passagem a vau no Rio Uembia, a 6 quilómetros do objectivo final, por a ponte existente se encontrar danificada, não permitindo o trânsito das viaturas.

Na povoação de Nambuangongo fez-se a ligação com o Batalhão de Caçadores nº96, que alí se encontrava desde as 17 horas do dia 9 de Agosto de 1961, procedeu-se à instalação do pessoal do E. Cav. 149 e deu-se-lhe merecido descanso.

Eram percorridos 180 quilómetros desde Ambriz, numa estrada eriçada de dificuldades, onde campeavam "abatizes" e valas que foi preciso remover e tapar; beneficiaram-se e construiram-se vários pontões; e transitamos por uma zona de população indígena sublevada e activa, como verificamos pelo número de acções realizadas. Mas, com uma vontade férrea, feita à custa de sacrifícios, de auto-domínio e da orientação imprimida pelo comandante da coluna, atingimos, em 16 dias, a que outora fora a povoação de Nambuangongo, transformada em escombros pela fúria destruidora do inimigo.

Sentiamo-nos cansados, mas felizes e cada um de nós fervilhava de orgulho por ter sabido cumprir a honrosa missão para que fora chamado.

Ao contrário do que aconteceu com as outras unidades que progrediram em direcção a Nambuangongo (Bat.96 e Bat.114), que sofreram ataques em massa, o Esq. Cav. 149 não permitiu esses encontros. Foi das três, a unidade mais rápida a progredir e, além disso, actuou no sistema de não criar hábitos que pudessem servir de referência ao inimigo. Nunca estacionou mais de três dias na mesma posição e iniciou a técnica da progressão nocturna.
Estes aspectos, aliados ao tiro de reconhecimento e ao tiro de apoio realizado pelo Pelotão de Artilharia 8,8, durante a progressão, o efeito de surpresa alcançado pelas acções realizadas contra o quartel da Cavunga, devem ter provocado ao inimigo não só desmoralização, como não permitiram a sua organização eficaz, pelo que este passou a actuar no sistema único de emboscadas, servindo-se de abrigos, ou beneficiando das condições do terreno, furtando-se a todo o contacto.

(*) - Do livro "História do Esq. Cav. 149" do Ten. Mil. Médico, Dr. João Alves Pimenta.
Editado em Luanda, 1963.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

CES, OS FILHOS DA GUERRA COLONIAL




Já recebi convite do CES e só por motivo de força maior não estarei presente. Na qualidade de combatente (qual ex-combatente qual carapuça, nunca os monumentos, murais ou memoriais foram dedicados a ex-combatentes, nem quem escreve livros sobre a guerra o faz na pessoa ou qualidade de ex-isto ou ex-aquilo), do 1º ano de guerra e de quem já escreveu sobre ela, será com muito gosto que me deslocarei a Liboa para participar.
Para mais, estando incluido com dois poemas na "Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial" que vai ser lançada neste evento, aí estarei obrigado e atentamente.

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quarta-feira, 1 de junho de 2011

AOS PRIMEIROS COMBATENTES GORJONENSES NA GUERRA COLONIAL, 50 ANOS.

Realiza-se hoje o habitual encontro de confraternização dos primeiros militares gorjonenses enviados para Angola em 1961, para combatentes na Guerra Colonial.
Faz, neste mês de Junho, 50 anos que embarcámos no "Vera Cruz", apinhado de Soldados em tarimbas de madeira e colchão de palha desde os porões até ao céu passando pelos corredores e átrios do belo paquete.
Todos seis sobreviventes da Guerra e ainda do tempo, três estão com "baixa" médica e não podem comparecer. Iremos fazer-lhes uma visita a casa e levar-lhes velhas histórias do tempo de Guerra e novidades recentes deste insondável tempo de Paz.


AO SOLDADO GORJONENSE NA GUERRA COLONIAL*

Deixámos as nossas casas e familiares

A nossa Aldeia e nossos ofícios

Jovens e puros sem vícios

Mandaram-nos para escolas militares

Aprender sobre guerras e sacrifícios

Que viver é entre morrer ou matares.


Deixámos doces amizades e lugares

Os nossos costumes e festas

Jovens ingénuos limpos sem arestas

Fomos metidos em barcos e mares

Obrigados como bestas

Sob o jugo do voltar ou não voltares


Andámos aos tiros de morte ou vida

Vivemos com a morte lado a lado

Fomos o ínclito Soldado

Lutámos por uma causa perdida

Demos tudo e nada nos foi dado

Somos sobreviventes de mão estendida.


José Neves

Gorjões, 31.05.2011

(*) - No 50º aniversário do início da guerra e nossa participação

domingo, 8 de maio de 2011

Dr. JOÃO ALVES PIMENTA, NOSSO TEN. MIL. MÉDICO

80º ANIVERSÁRIO

E o dia do merecido 80º aniversário em quase perfeito estado de saúde cumpriu-se no dia certo com a certidão de nascimento. Agora, após uma total dedicação a praticar o bem à volta da sua vida, certificado por quatrocentos amigos que o rodearam e cantaram os parabéns em conjunto, ligados por essa dádiva sua que espalhou sobre todos nós: fazer o bem e dar o melhor "até ao fim".

Nele, dar "até ao fim", significa dar tudo de sí sem esmorecimento, desistência ou abandono, sob que circunstância fôr. Foi o que fez connosco do Esq. Cav. 149, quando recusou a promoção ao posto imediato, para não nos "abandonar" e estar connosco "até ao fim" da comissão em Angola.

O Nosso Esquadrão 149 esteve representado por uma dezena de seus companheiros de guerra em Angola entre 1961-1963, e o advogado Ribeiro de Cavalho, que foi o mais jovem Alferes Miliciano do Esquadrão, e também o que abriu as portas da guerra num combate com feridos, em Seu nome pessoal e Nosso proferiu as seguintes palavras abaixo reproduzidas.



Meu Caro Dr. João Alves Pimenta

Encarregaram-me os Seus e meus Camaradas do Esquadrão de Cavalaria 149 de dizer hoje algumas palavras neste jantar de homenagem dos Seus 80 anos.

Através do livro que, em boa hora, a Sua Exma Esposa fez publicar, todos os Seus Amigos e admiradores que hoje aqui se encontram têm conhecimento da vida exemplar de um Homem que mais se preocupou com os outros do que consigo próprio, de um Homem com uma vida pública, cívica e privada a todos os títulos excepcional.

Para nós, que consigo privámos em penosas e difíceis condições durante mais de 2 anos, nunca constituiu surpresa que viria a ter, na vida civil, um percurso profissional e pessoal à altura das grandes qualidades que aprendemos a reconhecer-Lhe.

E, no entanto, quanto de riso, de espanto e incredulidade quando soubemos, no Ambriz, à volta de 20 de Julho de 1961, que o Médico que fora atribuído ao nosso Esquadrão estava a acabar a especialidade de Obstetrícia. “Ó diabo, isto vai ser complicado”, pensámos nós.

Mas não foi, como logo verificámos no dia 25 de Julho quando eu regressei com o meu pelotão da 1ª emboscada que o Esquadrão sofreu, trazendo 5 feridos, logo desveladamente assistidos pelo Dr. João Alves Pimenta.

Não vou falar-Vos das vezes sem conta em que alguns de nós se salvaram graças aos abenegados esforços e a inexcedível competência profissional do nosso Médico.

Que foi Médico, mas que foi igualmente Militar, intrépido debaixo de fogo, nunca recuando perante o perigo, antes arriscando a sua própria vida para socorrer os militares do Esquadrão atingidos em combate. De tal sorte que, com toda a justiça, foi condecorado com a Medalha de Prata de Serviços Distintos com palma.

Gostaria antes de salientar dois ou três outros aspectos da multifacetada personalidade e da humanidade do Dr. João Alves Pimenta.

Convém salientar que o Dr. João Alves Pimenta, para além de ter já concluído o seu Curso de Medicina e Cirurgia na Universidade de Coimbra, tinha mais cerca de 10 anos de idade que a maioria de nós (sem contar, obviamente, com o Capitão Rui Coelho Abrantes e os Sargentsos do Quadro), o que lhe dava uma experiência de vida que nós, miúdos de 20/21 anos, não tinhamos.

Daí que, instintivamente, todos nós, por uma razão ou outra, passassemos a breve trecho a procurar o seu conselho, o seu apoio, o seu ombro amigo e sempre atento para desabafar uma tristeza, uma saudade, um desgosto amoroso potenciados pela inultrapassável distância.

O Dr. João Alves Pimenta foi para nós, nesse atribulado período da nossa vida, o Pai, o conselheiro, o psicólogo e, principalmente, o AMIGO.

Todos nós, os do 149, temos uma história, um episódio, em que a figura principal é o Dr. João Alves Pimenta. A sua sobriedade, a sua disponibilidade para nos atender, a sua atenção aos pormenores de todos e cada um de nós, ficará para sempre no fundo dos nossos corações.

Como poderia eu esquecer que um dia, no Mucondo, o Dr. Pimenta me disse que me ia mandar a Luanda tratar dos dentes, de que eu felizmente não padecia e, perante o meu espanto, disse que já tinha assinado a guia de marcha e que eu visse no Hospital Militar de Luanda se tinha, ou não um dente cariado. Mas que não regressasse antes de oito dias. Só depois desses oito dias de “férias”, em que se apurou,como eu já sabia, que não tinha qualquer cárie, é que me apercebi que, de facto, já estava a ficar um bocado perturbado por longos meses no mato, do que o Dr. Pimenta se apercebeu e atempadamente acudiu.

Hoje fala-se muito de “stress pós-guerra”, de que na altura nunca ouviramos falar. Mas, e com isto termino, o Dr. João Alves Pimenta antecipou essa realidade, ao deixar escrito no seu livro “História do E.Cav. 149”, impresso ainda em Luanda, antes de regressarmos em 1963:

“A maneira como amparámos os militares, durante todo o período de permanência em Angola e a forma como se soube conhecê-los, actuando no momento oportuno com conselhos, ou com facilidades, permitiu que, em todas as circunstâncias, não tivessemos um só caso de psicose que fosse necessário evacuar para o Hospital Militar de Luanda.

A preocupação em recuperá-los fisicamente, logo que as circunstâncias o permitiram, deram e estão dando os seus frutos, como se pode constatar pelo razoável aspecto físico presente ... e cremos que, em Outubro, ao chegarem à Metrópole, com 27 meses de permanência em Angola, sempre na Zona de Intervenção Norte, poderão ingressar nos seus misteres, sem necessitarem de um período de adaptação”.

Resta-me, pois, em meu nome pessoal e em nome dos militares do Esquadrão de Cavalaria 149, agradeçer-Lhe, Dr. João Alves Pimenta, tudo quanto por nós fez, manifestar-Lhe a nossa fiel e incondicional amizade, apresentar-Lhe os nossos afectuosos parabéns e, com um grande abraço, desejar-Lhe uma longa e feliz vida.

Évora, 6 de Maio de 2011

(António Ribeiro de Carvalho

Ex- Alferes Miliciano do E.Cav. 149)

domingo, 1 de maio de 2011

80 ANOS A DAR ATÉ AO FIM


Faz 80 anos no próximo dia 6 de Maio de 2011, aquele que foi designado para o Nosso Esquadrão 149 e embarcou connosco no Vera Cruz em 27 de Junho de 1961 para Angola, como Ten. Mil. Médico da Nossa Unidade.

E também foi médico e muito a sério salvando corpos feridos quase alminhas com total entrega à luta pela vida de Soldados, para além de ter sido o grande regaço amparo familiar de todos, aceite e respeitado conselheiro apaziguador de almas aflitas devido ao medo e isolamentos longos no meio do mato sob permanente perigo de vida e morte. Tão grande foi a sua dedicação ao seu cumprimento de serviço e seu gosto de praticar o bem que ainda lhe sobrou tempo para dar consultas diárias a dezenas de indígenas e até para ir de urgência, noite dentro e sanzala fora, salvar nativos mães e filhos de partos em risco.
Depois disto tudo ainda teve a alma grande de escrever e imprimir, antes do embarque em Luanda, um livro descrevendo minuciosamente as acções, lugares e feitos do Esquadrão nas missões que lhe foram atribuidas durante os vinte e oito meses em Angola.

Homem que em todas as situações e circunstâncias estava no seu posto pronto para socorrer e dar tudo por tudo para salvar e curar, só pode ser considerado um grande Homem, e se foi grande sob todos os aspectos e qualidades que exerceu junto dos Soldados do Esquasrão, então é digno e merece, tal HOMEM, que esta palavra referida a sí seja escrita inteira com letras grandes.

Disse o nosso outro grande Herói do Esq.149, o Comandante Cap. Rui Abrantes, que o Dr. João Alves Pimenta, Nosso Ten. Mil. Dr. Pimenta, foi designado e aceitou ir para Angola depois de várias recusas artificiosas e por influências poderosas, de outros médicos. O Dr. Pimenta aceitou o desafio de servir com abnegação e total entrega os Nossos Soldados em Angola quando já era assistente da Universidade em Coimbra e tinha uma vida familiar própria.

Demos Graças, à boa hora em que tal HOMEM foi designado para estar junto de nós, pois também nós estavamos designados para participar em grandes e perigosas operações, pelo que a sua colaboração foi uma dádiva preciosa. E tanto mais quanto, como nos confessou em Lanceiros II no nosso primeiro encontro, quando foi proposto ao posto imediato de capitão, não aceitou para não nos "abandonar" e estar connosco "até ao fim" da comissão.
Bem haja Dr. João Alves Pimenta, Nosso Dr. Ten. Mil. Médido do Esquadrão 149, e que muitos anos ainda esteja e confraternize connosco: o que fez por nós e o seu exemplo de vida educa-nos, etimula-nos e conforta-nos.

sábado, 19 de março de 2011

GUERRA COLONIAL, 50º ANIVERSÁRIO

“Importa que os jovens deste tempo se empenhem em missões e causas essenciais ao futuro do país com a mesma coragem, o mesmo desprendimento e a mesma determinação com que os jovens de há 50 anos assumiram a sua participação na guerra do Ultramar”, afirmou o chefe de Estado, Aníbal Cavaco Silva.

O Chefe de Estado, Aníbal Cavaco Silva, não pode desconhecer as condições que levaram os jovens desse tempo, nosso tempo, a embarcar em navios superlotados de homens e tarimbas-cama de palha, para sofrer os perigos de morte e agruras de uma guerra a milhares de quilómetros de sua Pátria e familiares.

Os jovens desse tempo, nosso tempo, não foram para a guerra desprendidos e empenhados em missões e causas essenciais ao futuro do país, mas sim enviados obrigados a bater-se por causas de sobrevivência e honestidade individual, para além de uma vaga ideia de defesa da Pátria incutida pela informação oficial da ditadura. Eram, na maioria, jovens rurais simples e puros aldeões sem ideais de glória, enviados à força sem possibilidades de recusa o que levou a deserções e emigrações "a salto" para fugir à "guerra do ultramar".

Porque, lembro, nessa guerra os jovens caídos em combate eram enterrados à sombra de algum imbondeiro no mato, visto a Força Aérea, estar proibida de transportar mortos. Na realidade, os jovens cumpriram a sua parte mais que o dever impunha e honraram-se, mas ao governo da guerra apenas interessou a prestação dos sofrimentos e sacrifícios, para de imediato abandonar os sacrificados, sem cuidado nem honra.

E que não eram causas essenciais provou-o o facto de, após 9000 mortos e muitos mais feridos física e psicologicamente, tudo ter acabado, e tanto sangue e sacrifício dispendidos com entrega e abnegação, terem servido para nada.

Senhor Presidente, incentivar, os jovens de hoje, com o exemplo dos jovens forçados a suportar uma guerra, só pode alertar negativamente a actual juventude. Não é o tempo nem o caso justificava exortações de comportamentos guerreiros aos jovens de hoje. Foi um equÍvoco do Presidente e um mau recado para os jovens actuais.


terça-feira, 15 de março de 2011

UMA VISTA DO 15 DE MARÇO DE 1961

FOTO E COMENTÁRIO MANUSCRITO DE SARG. LEITÃO DO ESQ. CAV. 149


Na noite de 15 de Março de 1961 deu-se o grande massacre da UPA no Norte de Angola, início brutal e trágico da Guerra Colonial.
Desse massacre selvagem eu vi restos apodrecidos e ossos de corpos comidos pelas hienas. Passados cerca de quatro meses, em 30 de Julho de 1961, vi o fazendeiro Ribeiro, proprierário da pequena fazenda Matombe, na picada caminho de Ambriz-Zala-Nambuangongo, no terreno à volta da cubata sua casa, com um pau na mão a dar voltas a restos de corpos já putrefactos e irreconhecíveis à procura de sinais-pistas de identificação de seus familiares alí "capinados" naquele cruel 15 de Março.

Encontrou pedaços de pés em decomposição avançada que reconheceu a quem pertenciam pelas botas e sapatos que resistiram às feras e calçavam os seus familiares naqula noite de barbaridade. E vi as lágrimas incontidas saltarem da dor e aflição daquele pai e marido que ficara só e único naquela noite bárbara.
Vi-o esconder-se no interior da sua casa cubata semi-destruida para derramar o choro irrepimível sobre a mesma terra que fôra sua felicidade, obtida tão dura e suadamente.
Sobre a dádiva do suor e sémen, que fizera daquela terra e local a sua luta pela felicidade, caíra uma noite negra de morte de aço afiado ceifando humanos.
E não havia imprecações ou preces de vingança, num tal momento corpo e alma estão unidos, são um só, embebidos de uma paz interior que permite respirar sem sentir a vida.

Enquanto, também naquele mesmo momento a guerra, à sua e nossa volta, continuava bruta e cruel como naquela noite fatídica.


quinta-feira, 3 de março de 2011

CAMARA CLARA-ESCURO

CORTINA MIRABOLANTE (Nikias Spakinakis)

Estamos já em plena marcha acelerada para mais uma falaciosa conversa mediática sobre a guerra colonial para "assinalar" o cinquentenário do rebentamento dela em Angola.
O sinal visível de que se pretende transformar a Guerra, a real, a que se passou no terreno, as acções dos homens e das Unidades Militares, factos causas e factos consequências, em interpretações literárias sobre a Guerra, foi a conversa vista no programa cultural "Camara Clara" da RTP2. O jornalista Joaquim Furtado, o ex-ministro salazarista do Ultramar Adriano Moreira e a dona do programa, juntaram-se à volta de uma mesa repleta de livos. E encetaram, continuaram e encerraram a conversa à volta da Guerra esgrimindo as várias interpretações dos autores desses livros.

Provavelmente alguns desses autores nem estiveram lá e outros, muitos, mais provavelmente ainda, passaram pelos Serviços de Intendência ou Administrativos da Guerra e ouviram falar de histórias ou opiniões de guerra por terceiros que depois ficcionaram ou fantasiaram. A Guerra Colonial começa a transmutar-se na "história da guerra colonial" segundo as diversas interpretações dos factos e usos pessoais de estilizações literárias em proveitosas edições comerciais.

Ainda os protagonistas e testemunhos directos estão vivos e já se encetou a revisão e substituição da Guerra que vivemos de tiros e balas, de feridos e mortos, pela versão "distante" dos factos, isto é, pela versão interpretativa segundo o ponto de vista sociológico de cada intérprete ou historiador. Num programa cultural como "Camara Clara" era inevitável tal abordagem literária da Guerra. Espanta é que Joaquim Furtado, autor de uma série séria fundamentada nos intérpretes e nos factos acontecidos, se encontre frente ao salazarista A. Moreira e não o confronte com o seu apoio indiscutível a Salazar e à Guerra e sua efectiva responsabilidade nas nefastas consequências para o país e jovens combatentes obrigatórios. E pelo contrário se ponha a discutir floreados discursivos da dona e as nunca vistas, e só agora recordadas, intervenções de AM no sentido contrário à condução salazarista da defesa do Ultramar.

Embora presentes e bem vivos durante anos e anos, nunca os Comandantes das Grandes Operações militares no terreno do teatro de Guerra, foram ouvidos ou chamados a prestar testemunho sobre tais envolvimentos operacionais. Foi sempre dado voz, preferencialmente, às visões de pequenas histórias pessoais vividas no interior dessa grandes operações. E, quase inevitavelmente, o contador dessa história que viveu, coloca-se no centro da acção ou lugar do herói, fantasiando o episódio nesse sentido.
Uma mais fiel aproximação à verdade exige que o autor desapareça do centro de cena e mesmo do palco de acção, sob pena de cair na tentação pessoal de fantasiar em proveito próprio.

Exemplos típicos de episódios fantasiados ou de pura imaginação ficcionista literária, que circulam por livros de histórias da guerra colonial são, uma os casos mentirosos ficcionados por Lobo Antunes e outra é o relato, fantasiado até ao ridículo, da morte de Maneca Paca pelo Comandante Ten. Cor. Maçanita, na batalha do Luica no decurso da operação Viriato.
Se se continua a contar a história da Guerra Colonial pelas ficcções e fantasias de autores literários, teremos, não História, mas um bom guião cinematográfico