sexta-feira, 24 de junho de 2022

A GUERRA RÚSSIA-UCRÂNIA 3

 

Carlos Matos Gomes, in Medium.com 16.06.2022 retrata do seguinte modo os dirigentes europeus que se deslocaram a Kiev para discutir com o poder local a guerra em curso entre a Rússia e a Ucrânia:

No seu texto «O Quarteto de Kiev - Os Três tristes e um outro coitado» diz,

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«Mas os três tristes que apareceram numa fotografia em amena cavaqueira numa carruagem de comboio em trajes de turistas, um deles até de jeans, também não são mais que pobres diabos postos fora de jogo. A guerra na Ucrânia trava-se entre a Rússia e os Estados Unidos. A União Europeia é apenas uma serventia para os dois contendores. Um trio que faz umas animações à frente da cortina do palco nos intervalos entre atos.

O Quarteto de Kiev, com ou sem acompanhamento de funcionários como Ursula Van Der Leyen, Borrel, ou Charles Michel não tem qualquer instrumento de atuação, empenharam-nos, e não tocam qualquer música. Talvez tenham umas gravações, talvez assobiem para o ar, talvez façam play back, ou Karaoke! A UE é um grupo de Karaoke!

Entretanto há outra instituição da União Europeia que, como dizem os brasileiros, também se escafedeu: o formigueiro que se reúne no edifício transparente do Parlamento Europeu.

O que dizem aos eleitores os deputados europeus sobre a guerra, as sanções, as soluções, o presente, o futuro? Nada! Aos costumes dizem nada. Elegemo-los para quê?»

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Neste texto, como em outros recentes, o Coronel Matos Gomes vem acentuando os seus devaneios históricos anti-democracia e pró-totalitarista duma forma sempre cada vez mais contínua, acentuada e agressiva e, paralela e paradoxalmente, tenta vender o pensamento único do totalitarismo imposto à força, enquanto discorre fake news relativas a um "pensamento único" europeu acerca do qual o simples facto, de ele e muitos outros puderem escrever as suas catilinárias anti-Europa como no presente texto, desmentem categoricamente.

Aliás, um sintoma evidente de pensamento único que os defensores de Putin, eles sim querem impor à Europa democrata, é o caso das sanções desta impostas à Rússia. Se repararem bem, todos esses defensores da invasão russa argumentam dados, sabe-se lá donde, na tentativa de nos convencer que as sanções aplicadas à Rússia são todas elas uma "benesse" dada ao regime autocrata russo e representam para a Europa um custo incalculável e insuportável para os europeus. Este é um "pensamento único" da propaganda russa e seguidores europeus dada a alta possibilidade de tal influenciar a livre opinião pública europeia, cinicamente seguros de que do outro lado nenhuma opinião pública se pode pronunciar ou influenciar o curso da guerra por estar amordaçada.    

Aqui, os lideres europeus, eleitos democraticamente, da França, Itália e Alemanha são considerados como um grupo de pobres diabos cantores de karaoke ou bonecreiros que animam o público, frente à cortina do palco, entre-actos. Também os deputados europeus eleitos são considerados como bonecos ou broncos que nada perguntam, questionam ou sabem e remata: - Elegemo-los para quê? De facto os deputados, eleitos por diversos partidos, estão no parlamento europeu para discutir os problemas da UE segundo diversos pontos de vista ideológicos e não de um partido único para apoiar a guerra decidida por uma eventual mente ressentida ou doentia.

Da primeira à última linha todo o sentido do texto é um verdadeiro anátema anti-Europa, do Estado de Direito de livre circulação de ideias e opiniões e uma estudada e pensada apologia do totalitarismo. Totalitarismo que, por definição ("ler A Origem do Totalitarismo") de  Hannah Arendt, é sempre um movimento de massas ideológico racista, classista ou de outra qualquer dogmática base ideológica contra um qualquer considerado mal, passado ou existente na Sociedade. É-o por necessidade de manter o movimento de massa permanentemente munido de uma ideologia simples e forte, unido e pronto para a luta contra o inimigo, pré-designado alvo a abater.

Afinal, Matos Gomes, que apenas se representa a si mesmo segundo o seu direito de opinião assegurado pelo facto de viver num Estado de Direito, qual é a sua autoridade política para se pronunciar de forma tão categórica contra os políticos europeus? Porquê estes lideres europeus, que foram eleitos pelos seus povos entre vários candidatos por um definido período de tempo, são pobres diabos e o líder vitalício russo que prende ou manda matar os opositores, políticos ou não, e é eleito sob o terror de uma farsa eleitoral é, quer o regime quer o seu líder autocrático, entidades nunca mencionados, intocáveis, logo, por omissão, entidades respeitadas e apreciadas, pelo Snr. Coronel?

O que faz que os lideres ocidentais sejam "vistos" e apelidados de turistas pobres diabos de jeans, (de jeans, imagine-se a bandalheira), pelo Snr. Coronel e outros? É dada a explicação de que são "serventuários" dos USA sem direito de voto na matéria da guerra; porque esta é verdadeiramente travada entre duas superpotências onde nada mais conta e, claro, muito menos os moços de recados lideres dos estados europeus. Aqui, não se percebe porque se irritam tanto os russófilos pelas visitas e apoios dados por esses ditos insignificantes países à Ucrânia; o normal seria um tratamento depreciativo estilo pró-desprezível como faz o nosso Coronel. E menos se percebe a diatribe deste texto quando a percepção que nos transmite tal visita é a de uma certa independência e transmissão de ideias diferentes face às posições falcoeiras dos USA; o dogmatismo ideológico a sobrepor-se ao racionalismo.

Contudo, os argumentos estilo desprezível aqui usados, para auto-justificação, não passam de falácias repetidas desde os primórdios das lutas entre espécies humanas. É verdade que desde tempos imemoriais as guerras se deram entre ligas ou uniões de grupos em volta do mais forte a quem outros mais fracos se aliam para defesa do que consideram seus interesses comuns. Desde os Sumérios, primeiro povo que deixou registos escritos, que se fizeram uniões ou ligas de povos que se uniram por força maior de lutar conjuntamente pela sobrevivência. A Guerra do Peleponeso foi, também, uma guerra entre duas ligas, a Liga Ática chefiada por Atenas e a Liga do Peleponeso chefiada por Esparta. As guerras dos cem e trinta anos foram guerras terçadas entre reinos aliados dos dois lados. E as duas últimas Grandes Guerras foram, igualmente, travadas por alianças de povos europeus designadas, na última, o Eixo e os Aliados. Sempre foi assim por necessidade e, certamente, assim será pelo que tal argumento de servilismo dos fracos face aos mais fortes é uma falácia, essa sim gratuita, para aplicar em narrativas falsas.

Aliás, na última Grande Guerra os USA fortes, mas isolacionistas, foram solicitados de emergência para salvação da GB amiga e da Europa por arrasto, caso contrário estaríamos todos, incluindo os russos, a saudar os alemães envergonhados de cabeça baixa. Precisamente, dessa vitória quente sobre o nazismo, apesar do pacto Hitler-Stalin para espoliar cada um fifty-fifty a Polónia, seguido do gratuito massacre russo de Katyn, nasceu uma guerra fria que obrigou, necessariamente, a Europa a abrigar-se sob o chapéu militar protetor dos USA face a uma Rússia que ameaçava Berlim e outro países limítrofes.

 E foi, também, essa protecção que evitou nova corrida ao armamento da Europa e, necessariamente, permitiu poupanças avultadas dedicadas ao desenvolvimento e bem estar dos povos europeus; e talvez, penso eu, beneficiaram os portugueses ao ponto de ficarem gordos e anafados que, agora, entediados de paz e bem estar de fartura democrática queiram experimentar uma dose de regime tipo norte coreano como, digo eu, tratamento para corpo são em mente sã.

Mas, voltemos à questão acerca do que faz com que os lideres ocidentais sejam "vistos" e apelidados de turistas pobres diabos de jeans pelo Snr. Coronel e outros ocidentais. Qual a realidade ou narrativa que os faz ver desprezíveis os lideres das democracias em contraponto com o zelo de omissão intelectual pelo totalitarismo russo, chinês e até norte coreano? Porquê esta sedução pelos regimes autoritários quando ainda não estão saradas as feridas do Estado Novo salazarista? Há de haver, certamente, algo de atractivo e sedutor que atrai tanta gente para o retrocesso civilizacional revisionista do novo despotismo totalitário. 

Estarão ainda fascinados pelo imenso e valoroso estudo anti-capitalista de Marx? Ainda não entenderam que Marx, o rato de bibliotecas, foi um sociólogo notável que desmontou, inapelavelmente, o método de acumulação capitalista da sua época mas se enganou redondamente, como todos antes dele, no seu plano filosófico sistémico de sociedade igualitária socialista? Mesmo após o colapso, por razão do auto-apodrecimento interno, do socialismo real na URSS e dos exemplos de Pol Pot, Kim Jong-Un, Ji Ping e outros que continuam por cá como presidentes-reis absolutos vitalícios, ainda não apreenderam a contradição interna do sistema que o  conduz, inevitavelmente, ao colapso por desprezo social do povo ou ao terror imposto até ao levantamento em massa do povo.

O mesmo erro de Platão, na sua "República", é cometido por Marx no seu "Socialismo". Ambos pensaram que por meio de aplicação de uma educação única adequada de raiz ao homem, após uma limpeza ao cérebro bem planeada e melhor executada, fariam desse homem o "Homem Novo" de futuro único; futuro único a que Marx chamou de "fim da história". 

Que enorme quantidade de filósofos embarcaram nesta patranha do "homem novo" e "fim da história" proposta por Marx? E quantos ainda hoje, embora não filósofos reconhecidos, embarcam nesta falsa narrativa? Desprezaram Ortega y Gasset que disse, "Eu, sou eu e as minhas circunstâncias" para alinharem como António Aleixo, ensinado pelos marxistas, que "(Eu), sou simplesmente o produto do meio onde fui criado"

Na realidade a ideia base de Marx era essa de, tal como Platão, criar um homem novo socialista ou republicano igualitário independentemente do "Eu", ser único inteligente, pensante individual e diferente de todos quer em capacidades intelectuais quer em habilidades manuais lógicas quer em capacidades físicas pessoais. Hoje, muitos cientistas dirão; com algoritmos individuais de capacidades de resolução cerebral e física diferentes de indivíduo para indivíduo.

Também não querem entender que o "socialismo" de tipo marxista-leninista colapsou por que todo o totalitarismo se transforma, imediata e necessariamente, num Estado tirano obrigado a estabelecer uma "constituição" que não passa de um código de costumes feito de mandamentos e dogmas. Que tal Estado não tem mais capacidade de adaptação para acompanhamento da, cada vez mais rápida, evolução da moral, ciências e tecnologias digitais, biológicas, etc., que surgem em catadupa década a década. Ao contrário, o capitalismo sempre mostrou uma capacidade plástica-elástica de adaptação no confronto com o socialismo real que levou de vencida a ideologia única estatal que, durante quase um século,  parecia ser o futuro da humanidade e foi um fiasco planetário. E, apesar dos esforços actuais, em nome do socialismo, mas por via de um capitalismo estatal totalitário tal qual os empresários do mundo sonham, os homens continuam sonhando viver em liberdade.

Esta sedução e fascínio pelo absolutismo insinuado na forma de rituais impressionantes de sentido e força de atração inumama, religiosa, mística que proporcionava o endeusamento de reis, czares, e imperadores e hoje é usado pelos seus descendentes políticos sobre a terra e com a mesma simbólica mensagem da divindade do poder; assim, ao estilo de uma repetição do Czar em S.Petersburgo ou do Rei-Sol em Versailles, se apresenta Putin ao entrar e passar por aquelas portas, corredores, e salões dourados grandiosos de forma singular única, ladeado pelos novos cortesãos baixando a cabeça num acto simbólico de adoração.

O mesmo sentido de grandeza quis Putin transmitir ao mundo ao receber, avant la guerre, os lideres europeus numa longilínea mesa que os colocava tão afastados, de sua personagem de culto, como se se tratasse de pedintes ou leprosos. Esta representação ostensiva de absolutismo é a mesma que transparece nas suas aparições televisivas, quer quando só como circundado de moças da Aeroflot decorando o ambiente pois, só ele fala, só ele dita a palavra, só ele afirma, só ele designa, só ele tem pensamento ali, só ele é responsável, só ele diz. Tal como Deus e Pitágoras; Ele disse.         

Será este simbolismo filho do perverso culto de personalidade tão querido do absolutismo e que leva ao tratamento depreciativo-ridicularizativo-desprezível do outro, dos outros, que fazem pessoas como o Coronel Matos Gomes, no que respeita aos dirigentes europeus, imitar grosseiramente e por excesso mais papista que o papa, o Senhor Putin? 

 

quarta-feira, 8 de junho de 2022

GUERRA RÚSSIA - UCRÂNIA 2

 

A ladainda putinista anti-democrática continua cada vez mais sonante e refinada no intuíto de enganar os mal informados quer pela net, quer pela má leitura ou não leitura da história política, científica e filosófica da civilização, pela propaganda do totalitarismo russo, chinês e outros menores ou, porque ignorantes recentes de repente engoliram acriticamente a ideologia nacionalista identitária dos regimes totalitaristas que os fascinam vendo no seu pensamento redutor único e forte simbologia uma sabedoria que lhes fornece argumentos contestatários que os fazem sentir-se gente com pensamento próprio.

Erradamente, porque constituída à base de falsos argumentos que o ignorante não detecta ou, como no caso do ressentimento dos oportunistas vencidos ou falhados, que foram rejeitados e remetidos ao lixo pela democracia; é exemplar o comentário de um putinista que li num blog onde dizia, acerca dos pulhas empresários milionários ddt na democracia, que todos usavam os Off-Shores para esconder o dinheiro e os negócios escuros e que ele só o poderia fazer se um dia ganhasse o "Euromilhões". Logo, o problema não era a existência de Off-Shores ocultos criados, precisamente, para facilitar negociatas sujas e menos limpas e fugas aos impostos de forma legal mas, sim, o facto de o próprio não poder usufruir dos ditos criativos bancos secretos para fazer o mesmo, isto é, por pura inveja.

 A ladainha usual é uma caricatura dos miúdos que colecionam cromos pois, têm sempre uma acção retirada da história, recente ou não, acerca do Ocidente (leia-se USA, Nato, Europa, Democracias) para a troca com a atual acção de invasão russa tal como os tais miúdos colecionadores fazem com os cromos da bola. Qualquer acção de qualquer tempo histórico e civilizacional serve de argumento para justificar a invasão russa actual; para o putinista nenhum passado prescreve nem a civilização evolui e, como tal, para tal gente até a barbárie dos tempos arcaicos faz parte da actualidade. 

Os mais lidos ou intelectualizados fazem-no de outro modo mais sofisticado, procurando exemplos dos gregos clássicos, da literatura ou filosofia especificamente da marxista ou stalinista neo-revisionista. O exemplo típico deste género é o intelectual Coronel Matos Gomes, uma desagradável surpresa, que vai tirar exemplos enviesados, mal estudados e amanhados dos gregos esquecendo o acto inaugural da aplicação da justiça contra a barbárie que foi o novo tempo iniciado com o panteão olímpico chefiado por Zeus, como está claramente inscrito na peça "Euménides" de Esquilo onde se diz que as "as leis novas vão alterar as antigas"; as novas leis que alteravam a justiça das Erínias que consideravam justa e aplicavam a justiça cega de vingança de sangue pelo sangue ou de Ares que se julgava justo por "matar os que matam", sem mais. Desde então as Erínias foram dadas como Euménides ou Benevolentes por, pela persuasão racional, aceitarem o julgamento pelo povo ordenado como tribunal.

Os novos deuses olímpicos, há já cerca de 3000 anos, terminaram com os julgamentos por vingança de sangue, isto é, aquilo que foi um argumento de Putin e continua um argumento contínuo dos putinistas o qual diz que a Rússia se viu obrigada a uma guerra contra os ucranianos por que estes matavam os russófonos ucranianos e pelos vistos pretendem fazer da bárbara "lei antiga" arcaica das Erínias uma lei actual para recuperar todos os territórios russificados pela antiga URSS. Para já andam a plantar "Républicas Populares" em territórios conquistados a outrem pela guerra, designações de "Estados" com sentido e significado claramente insinuando o regresso à URSS recém caída de podre. Talvez esteja em mente que a grandeza devida ao culto de personalidade do novo Czar seja a criação da "Républica Popular da União Europeia".    

Outra falsidade muito usada, inclusivamente pelo referido Coronel é a de que o Ocidente, leia-se as democracias liberais, querem impor ao mundo um "pensamento único". Ora é nestas Democracias que está instituída a liberdade de opinião e expressão ao contrário dos regimes totalitários onde o que está instituído é o delito de opinião aplicado com tais severidades que vão até à acusação de traidores à pátria com penas tão elevadas como se tratara de assassinos. O facto de Generais, jornalistas, analistas e cientistas políticos, qualquer um académico da guerra ou da política, anónimos das redes sociais, etc. e até o dito Coronel, podem declarar e exercer o seu direito de opinião sem serem molestados por qualquer polícia política ou outra, é a prova real de que, não é possível evitar que haja uma presente e forte opinião pública diversificada,  precisamente, o contrário do que se passa nos regimes totalitários, especialmente no regime putinista e muito mais agora face à guerra que iniciou.

Mais do que uma falácia, é tentar inverter a racionalidade lógica do pensamento, ao afirmarem que é o Ocidente que quer impor ao mundo um pensamento único. Não, o pensamento único é uma condição necessária à implantação interna e sobrevivência do totalitarismo e é uma condição prévia necessária para lançar um guerra de invasão decidida por uns quantos chefes com total desrespeito e desconsideração pela opinião pública dos seus povos. 

Aliás, é o totalitarismo que necessita criar, invariavelmente, um inimigo e até uma guerra para manter o povo sob estado de massa em movimento guerreiro permanente decidido, controlado e apontado ao inimigo, declarado pelo partido único. Nos totalitarismos o estado de guerra é a situação necessária ideal para prender ou liquidar inimigos políticos e manter o povo apavorado de medo por temer ser delatado pelo vizinho por ter opinião diferente, precisamente, do pensamento oficial único.

Ou já se esqueceram da nossa ditadura e do salazarismo!