domingo, 26 de dezembro de 2021

DEIXEM QUE A HISTÓRIA DECIDA, PORRA.

 

Oh! Vós acusadores fanáticos da pós-verdade

histórica que não escutais vossas ficções

contadas e cantadas como loas à identidade

que apregoas certa mas afinal só metade

o é e a outra é falsa e é fonte de opiniões

pós-verdades gizadas de tua espúria fidelidade.

 

A vossa pós-verdade oculta é feita de partes

das quais apenas uma tomas por verdadeira

a qual insistes ficcionar e narrar com artes

milenárias de palco encenadas com encartes

de velhas pós-verdades históricas à maneira

de profetas, mágicos e deuses como Martes.

 

As vossas pós-verdades feitas de promessas

de futuros de festa e alegria permanente

tal como tantas já feitas viraram de avessas

o compromisso repetindo sempre mais dessas

pós-verdades iludindo mundos de gente

com profecias, livros, ficções, teatro e peças.

  

Impingiste narrativas falsas que são eternas

sem parar e queres continuar impondo

novas pós-verdades, ficções pós-modernas

invertendo verdades e factos de pernas

para o ar na ânsia de seres o deus redondo

liso do mundo a ditar os heróis e os palermas.

 

Vós quereis ditar à força de tanto ficcionar os factos

quem esteve certo e foi herói e quem foi cobardola,

se o pensante exilado ou os embarcados fracos,

se o de fala de combate ou o de combate nos matos,

se o combatente que deu a vida ou o que deu à sola.

A história decidirá entre o sangue e os fala-baratos.

 

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

ACTA & CTA; "UM GAJO NUNCA MAIS É A MESMA COISA", NOTAS.

 

Monday, December 20, 2021


A certa altura do decorrer da peça o velho "Alferes" diz: - qualquer dia já não há ninguém para contar  como foi... -.

É verdade. É uma verdade que esconde uma mentira; a questão é porque razão nunca ninguém foi ouvir e entrevistar os Oficiais Comandantes operacionais da guerra, os Capitães, Alferes, Sargentos, Furriéis e Praças que viveram juntos dia a dia a guerra no mato com os seus Soldados e seus problemas. Pelo contrário, sempre os escritores e artistas se basearam em relatos específicos contados em 2ª ou 3ª pessoa já adulterados pelos preconceitos culturais ou ideológicos individuais de cada contador.

Por exemplo, Artur Agostinho quando enviado como repórter da RTP para cobrir a tomada de Nambuangongo queria estar lá antes das tropas para relatar a chegada; dada a evidente impossibilidade de tal e face ao grande medo, para si, que era seguir embebido numa das duas colunas que se dirigiam rapidamente para a tomada daquela importante base do inimigo resolveu, de acordo com sua cultura de habitual e popular relator futebolístico, descrever para os ouvintes, a tomada de Nambuangongo como um despique futebolístico Benfica - Sporting. E deixou tal registado em livro como seu estúpido troféu de guerra.

Também a mensagem deste texto e encenação de "Um gajo nunca mais é a mesma coisa" está untado de preconceitos; desde logo do preconceituoso ponto de vista criado e fomentado pela elite dos "exilistas", os que se exilaram em Paris, Estocolmo, Roma e outras capitais europeias. Quando a falaciosa inglesa "jornalista?", "socióloga?" ou simplesmente "revolucionária?" pergunta; - e vocês foram assim para a morte e não fizeram nada? -, está completa e intencionalmente a ocultar a situação política e social em Portugal naquele tempo; a obrigatoriedade imposta pela ditadura, a pobreza das famílias das aldeias e seus filhos aldeões quase totalmente analfabetizados sem os mínimos recursos financeiros e apoios fora do seu ambiente familiar, sem passaporte nem condições de obtê-lo e sob o horror do medo oculto de represálias sociais exercidas pela polícia política sobre a família. 

Ainda assim, muitos rapazes pobres filhos dos primeiros emigrantes a "salto" para França seguiram as pisadas dos pais ou familiares e arriscaram tudo abandonando a farda no dia do embarque e fugir para a Guarda afim de passar a fronteira a salto com destino a França, não para se dirigir a um hotel e esplanadas dos cafés parisienses mas sim, para se dirigir ao "bidonville" e ao trabalho duro no "bâtiment", como foi o caso do Juvenal em 12 de Julho de 1964. Mas estes fugiam primeiro da miséria e depois do acréscimo de miséria que a guerra lhes acrescentava às suas vidas; fugiam daquela miséria portuguesa característica que tanto impressionara horrivelmente a fina sensibilidade da jovem revolucionária inglesa quando viajava com o namorado do Porto para Lisboa. 

Também quando o "Alferes", que nunca mais foi o mesmo, se refere aos militares que no "Cu de Judas" ou seja, isolados do mundo no meio do mato durante longo tempo e sempre sob forte tensão emocional por estarem permanentemente cercados do inimigo e sujeitos a ataques constantes, dava-lhes o "badagaio" moral e sobretudo psico-mental está a contar a guerra pelo falso prisma do médico Lobo Antunes que distorceu totalmente a verdade sob a forma de uma ficcão literária quase paranoica para seu gozo pessoal; qualquer Unidade Militar nessa situação não estava mais de 5-6 meses sem ser rendida. Mas se tal se passou com o Dr. Lobo Antunes, ou outro médico, são deles a maior responsabilidade por tal se ter passado e com tal severidade; eu estive por duas vezes numa situação dessas, contudo, o nosso Ten. Mil. médico Dr. João Alves Pimenta estava atento e tratava do caso de modo a alterar a situação clínica desses homens abatidos, "em baixo": sempre atento, mal detectava sintomas de tal fazia uma inspecção médica e aos homens em estado de mal-estar mental mandava-os de férias clínicas uns dias para Luanda, que eles já conheciam bem, e vinham de lá mais prontos para suportar de novo mais algum tempo de isolamento, perigos e intempéries.

A guerra também são as pessoas e as suas circunstâncias; a pessoa do nosso médico, face às terríveis circunstâncias, não as podendo alterar contornava-as com escapatórias possíveis; assim, sempre atento na protecção da melhor saúde e bem-estar dos soldados nunca deixou que tais males tomassem conta dos homens sob seu controlo clínico; nenhum elemento do nosso Esquadrão foi repatriado ou embarcou em Luanda de regresso com problemas psicológicas; nem pela vida fora no meio da selva humana da vida civil houve algum caso de "velhote despassarado"; pelo contrário, como lhes dizia o Dr. Pimenta nas nossas confraternizações anuais, a guerra tinha-os tornado mais fortes, mais conscientes e melhor preparados para suportar os trabalhos duros na selva humana da vida civil.

Sem querer, a encenação dá duas verdadeiras imagens da guerra colonial, precisamente, quando nos quer dar a entender de princípio ao fim, que a nossa guerra colonial foi uma bestialidade de matanças de pretos cometidas por soldados portugueses. Primeiro, quando é encenada com fortes e ruidosas luzes, sons de metralha e helicóptero, uma confrontação terrível entre as duas tropas inimigas e, depois,  passado o terrível confronto, vê-se apenas no palco o "Alferes" ferido e do inimigo não se vê nem mortos nem feridos, nada. Ora esta situação foi, que eu vi, a mais corrente naquela guerra de guerrilha e no meu tempo; talvez tenha sido caso único mas eu nunca vi um "terrorista" morto ou ferido no entanto vi cinco mortos e dezenas de feridos do meu lado.     

Segunda situação dá-se quando os nossos soldados em formatura respondem "à chamada" e só depois de muitos  "presente" chega o momento de ficarem engasgados e calados perante o nome de um não presente, isto é, de um morto. Significam estas duas situações que quer do lado dos portugueses quer do lado inimigo as baixas foram imensamente menores do que os relatos jornalísticos, revisteiros, livrescos, cinematográficos e agora também teatrais, dão a entender e dramatizam por questões comerciais ou ideológicas.

Também a ideia feita de imensos massacres cometidos pelas tropas coloniais é falaciosa como o prova a fala da jovem inglesa quando menciona os massacres de Nambuangongo, Wiriamu e outro que não fixei o nome. Ora em Nambuangongo, posso afirmar eu que participei nessa operação, não houve qualquer massacre nem podia haver dado que as populações nativas tinham todas fugido para esconderijos na mata impenetrável para nós; terá havido sim algum tipo de massacre inicialmente nessa região como resposta enlouquecida ao massacre da UPA de 15 de Março de 1961. E, este massacre, causa principal do início da guerra colonial, cometido pelo inimigo terá sido mais brutal e numeroso em vidas humanas que todos os outros cometidos pelas nossas tropas depois; contudo nunca tal horrível cometimento é referido para não sujar a ideia que se pretende fazer passar de que os soldados portugueses combatentes foram todos uns criminosos de tal modo ferozes e obscenos que agora são todos "Alferes" velhotes passados dos cornos ou taralhoucos pós-traumáticos.

E o que dizer da revolucionária inglesa que diz ter falado com muitos "velhotes" combatentes e daí retirou a certeza de que todos esses antigos soldados, hoje em dia, são racistas reaccionários que votam na extrema direita? Teve o desplante de perguntar a dois combatentes presentes que eram de direita e logo ali concluiu reiteradamente que, hoje em dia, são todos fascistas mesmo quando antes eram revolucionários e votavam comunista. Como pode saber e ter tanta certeza a inglesa revolucionária que todos os antigos soldados combatentes são fascistas? Terá ela o condão de ver um Mussollini  desenhado na testa de cada combatente da guerra colonial? Haverá assim tanto fascista por cá e, contudo, após a democracia, ainda nenhum partido de raiz fascista ganhou eleições e governou o país?

A revolucionária inglesa, que faz uma espécie de papel de compère que está sempre em palco dizendo o texto e marcando o ritmo da encenação, faz lembrar aquelas jovens revolucionárias que vieram da Europa universitário-revolucionária, logo após o 25A, ensinar a fazer a revolução aos portugueses. Claro, passado a festa revolucionária e instalada a democracia, voltaram para as esplanadas de Paris a tomar o seu cafezinho e ler Marx, Sartre e Althusser com mais atenção para na próxima não falharem.

A ideia que constitui a mensagem central da peça encenada é fazer passar o preconceito de que todos os soldados combatentes andaram e passaram todo o tempo a matar pretos na guerra colonial; são todos, hoje, uns velhos maus, fascistas, racistas, porcos e desdentados como, não só se dá a entender em toda a fala da observadora inglesa ao longo da peça como até o declara aberta e ostensivamente. 

A rapariga observadora inglesa funciona na peça como a voz do "argumento de autoridade"; à boa maneira subserviente portuguesa foi preciso chamar uma autoridade "lá de fora" em matéria de guerra de guerrilha para explicar académica e autoritariamente ao Zé o que foi a nossa guerra colonial "sem papas na língua e sem espinhas". Fala ela de massacres mas saberá ela como conseguiram os seus ascendentes ingleses vitorianos conquistar o maior império já visto sob o céu? Pensará que foram armados de gaitas-de-foles e encantaram os nativos da Índia, América, Astráulia, África do Sul, Médio Oriente, o mar e recheio de navios que o cruzavam e até o Rochedo de Gibraltar?    

O preconceito fica inscrito no texto e também na encenação desde logo quando o assunto se centra numa história humana particular comovente. Mesmo quando fundamentamos textos e opiniões em estatísticas e dados rigorosos acerca de um assunto de ilimitada subjectividade e complexidade nunca conseguimos captar a verdade nem seque a melhor verdade acerca desse assunto; o mais provável é que nos faça ferver o sangue, deixemos cair uma lágrima furtiva e gerar em nós uma falsa certeza moral.         

É o que nos acontece quando pensamos acerca da relação entre nós e o inimigo relativamente à guerra colonial. Retrata-se esta a partir de casos muito particulares para, emocionalmente, extrairmos ideias gerais fixas erradas e preconceituosas. Por exemplo, se alguém que esteve na guerra, teve experiência de baixas havidas em algumas Companhias ou Batalhões, pensar racionalmente e fizer simples contas aritméticas rapidamente chega à conclusão que, o mais provável, foi que houve mais mortos nas nossas tropas do que nas do inimigo. Ora se assim foi, como se pode dar a entender ou até formular e afirmar como verdade certa que todos os soldados portugueses são assassinos que andaram todo o tempo de guerra a matar "pretos"?

Explica-se tal, exactamente, porque nunca ninguém foi falar seriamente com quem andou a comer a ração de combate untada de pó das picadas; antes pelo contrário, apenas ouvem e lêem as ficcções livrescas de quem por lá andou a escrever cartas choramingas de saudades pela mulher esquecendo-se que os soldados também tinham mulher, filhos e pais que choravam e rezavam por eles nos recôndidos das aldeias remotas.       

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quinta-feira, 18 de novembro de 2021

SABER COMANDAR PARA ALÉM DO "RDM", COM SUCESSO.

Falei num texto anterior da ideia do Cap. Rui Coelho Abrantes, Comandande do Esq. Cavª 149 mobilizado para Angola em 1961, querer desembarcar o Esquadrão em Luanda vestido à índio com peles e plumas armados de arcos e flechas.

Era algo tão inesperado que parecia apenas pensável por alguém diferente e distante da normalidade dos estudos militares. Contudo quem o pensava e propunha era, precisamente, um Cap. Cavª. professor de táctica militar na Academia.

Talvez por ser pensador académico sobre tácticas militares, ou por isso mesmo, quando foi mobilizado meditou sobre a especificidade daquela guerra de guerrilha ou por pura intuição e imaginação ou, melhor, por uma conjugação das duas coisas o Cap. Abrantes foi sempre inventor-criador de ideias fora de todas as ortodoxias militares; aliás como se impunha naquela guerra.

Foram, cronologicamente, surgindo as seguintes imaginativas e inovadoras soluções de comando:

1º. Tudo começa ainda o Esquadrão não estava completo e só parte dos militares mobilizados tinham fardas de caqui para uso no ultramar e ele manda formar, na parada do Reg. Cavª. 7, algo à semelhança de um Pelotão e ordena ao Alferes de serviço; - agora vocês vão descer pelos passeios dos dois lados da Calçada da Ajuda, devidamente equipados à Ultramar e de "mauser" na mão e, quando o Alferes apitar, vocês têm de desaparecer imediatamente do passeio; devem enfiar-se dentro dos cafés e casas de comércio ou mesmo pelas portas e janelas das residências locais -. Tudo foi cumprido como descrito e imagine-se o susto dos passantes e especialmente dos residentes ao verem suas casas invadidas, de repente, por homens desconhecidos armados. E também tudo, aquando dos ataques nas picadas da selva angolana, não foi muito diferente do que imaginara o Capitão na selva humana da Calçada da Ajuda em Lisboa.   

2º. Se não desembarcámos em Luanda vestidos e equipados à índio partimos de Luanda para o Caxito, Fazenda Tentativa, mascarados com um lenço preto ao estilo de uma mascarilha à Zorro; atravessámos Luanda de farda de caqui nova, barrete de dois bicos bem espetados à cavaleiro e também bem ao alto as antenas dos rádios de transmissões; até à Fazenda Tentativa não havia pó mas a ideia era, mais uma vez,  impressionar os possíveis "olheiros" do inimigo em Luanda.

3º. Na Fazenda Tentativa onde estava instalado o Comando da ZIN, Zona de Intervenção Norte, o Cap. Abrantes, depois de uma reunião onde aceitara participar na perigosa Operação Viriato que consistia na tomada de Zala e, se possível, a tomada de Nambuangongo, reuniu o Esquadrão em formatura à tardinha e preparou o pessoal para uma grande e prestigiosa mas igualmente perigosa operação em que iríamos tomar parte a partir do Ambriz; depois de referir os perigos dado termos de enfrentar o inimigo em terreno ocupado por ele desde o 15 de Março de 1961acabou dizendo: - não se preocupem porque foi-me entregue uma caixa preta que detecta todos os terroristas escondidos ao longo das picadas -. Os Soldados ficaram intrigados e muitos perguntavam se era verdade que o Comandante tinha essa caixa especial à qual os subalternos respondiam, sem desfazer o efeito mágico-psicológico da afirmação, que se o Capitão o dizia é porque era verdade. Verdade foi que muitos homens do Esquadrão foram receptivos à ideia, ficaram mais calmos e todos foram dormir mais descansados.

4º. No Ambriz, com o Esquadrão já preparado para arrancar naquela madrugada de 26 de Julho de 1961 em direcção a Zala passando pelo Cavunga, Quimbumbe, Quimazangue, Zala, na véspera o Cap. Abrantes ordenou ao 3º Pelotão fazer o reconhecimento da picada até ao Cavunga onde, segundo informações recolhidas, era suposto haver um aquartelamendo do inimigo e onde, realmente, o Pelotão foi atacado e sofreu cinco feridos ligeiros de disparos de canhangulos. Regressado ao Ambriz e entregue os feridos ao cuidado do Dr. Pimenta, contado ao Cap. o sucedido de imediato recebe ordem para reforçar o Pelotão e regressar imediatamente ao mesmo local afim de surpreender o inimigo e infligir-lhe uma derrota; apesar da contestação veemente do Alferes Ribeiro de Carvalho Comandante do 3º Pelotão este acabou por voltar ao local do quartel da UPA mas os guerrilheiros e famílias puseram-se todos em fuga através dos carreiros da mata. Vários ensinamentos prático-teóricos se retiraram do caso; primeiro, que era da boa táctica militar saber explorar a vitória; segundo, mostrar ao inimigo que a "nossa tropa" não tinha medo daquele inimigo; terceiro, que o Comandante era um militar capaz e sabia o que fazia; quarto, todo o pessoal do Esq. ficou admirado e conquistado pela firmeza e serenidade do Capitão; quinto, perante tal atitude militar toda a Unidade se sentiu mais protegida, mais confiante, sem medos e mais unida.

5º. Eram percorridos 110 Km de picada desde Ambriz e estávamos a 30 Km de Zala, acampados na Fazenda Matombe, local de retemperar forças e, sobretudo, repensar a estratégia de progressão; e deu-se o grande salto inovador que consistiu em aliviar as viaturas retirando-lhe toda a protecção improvisada de chapas metálicas que encurralavam e dificultavam o salto dos soldados para o terreno e entrar na mata; aumentar a velocidade de progressão pela táctica da progressão contínua, dia e noite, sem paragem nem aquartelamento; tal foi um sucesso completo pois desmobilizou o inimigo porque não só não tinha tempo de montar obstáculos e emboscadas à nossa frente como os seus ataques nocturnos seriam facilmente localizado pelo fogo dos disparos. 

Soube-se depois que o nosso guia e pequeno fazendeiro, Sr. Ribeiro, que fizera a braço próprio a pequena Fazenda Matombe, confidenciara ao Comandante que o gentio local respeitava a noite como momento de estar em casa com a mulher ao abrigo da cubata e ao calor da fogueira. E tal confidência fora a campainha que despertara o pensamento militar do Cap. Abrantes para a tomada de tão inusitada como valiosa decisão.             

6º. Na tomada de Zala apesar de um morto e vários feridos ligeiros vários episódios de comando directo se deram. i) Ordenou avançar apeados e no meio da picada pedia com força que os homens seguissem no interior da orla da mata para não serem alvos à vista dos atiradores no alto dos morros laterais, tal como treinara na Calçada da Ajuda em Lisboa. ii) Após a tomada de Zala, o içar da bandeira portuguesa e  entregue ao Chefe de Posto a Administração Civil do território local, quis arrancar imediatamente para Nambuangongo. iii) O Cap. dá uma entrevista à equipa da RTP, que nos acompanhava, afirmando categoricamente que chegaria a Nambuangongo custasse o que custasse nem que fosse a pé. iv) Contudo, aqui sofreu um revés dada a oposição dos Oficiais subalternos porque, sobretudo, além dos feridos e esgotados não havia munições suficientes pois pensava-se que o troço para Nambuangongo seria o mais bem guardado e defendido pelo inimigo. v) Capinou-se uma encosta de terreno para servir de pista e permitir aos pequenos Dornier DO 26 aterrar com munições e de volta levar os feridos mas de Luanda enviaram munições de madeira usadas para instrução militar. vi) O Cap. ainda assim, mesmo com tão poucas condições de precaução e ameaças de severos castigos militares, propôs avançar mas não conseguiu demover os outros Oficiais. 

Anos mais tarde confidenciar-nos-ia que caso o Pelotão de Panhards dos Dragões de Luanda se dispusessem arrancar falo-ia com mais o Pelotão de Reconhecimento do Alferes Ruben, 2º Comandante, e outro pessoal de serviços disposto a fazê-lo voluntariamente. vii) Tinha tido razão pois o inimigo tinha apostado tudo na defesa de Zala e sentiu-se impotente para nos deter pelo que a caminhada, noite e dia, para Nambuangongo deu-se apenas com os contratempos de abatizes e pontes derrubadas ao longo da picada até ao objectivo final. viii) Tinha-mos ganho um dia, contudo, nem mesmo esse ganho seria suficiente pois o Bat. Caçadores 96 do Cor. Maçanita já estava acampado há dias a cerca de 6 kms de Nambuangongo.

7º. Depois de um dia passado em Nambuangongo o Esq. recebeu ordem de desobstruir o itinerário até Quipedro passando por Quixico e fazer a ligação com os pára-quedistas que seriam lançados em Quipedro em 13 de Agosto de 1961. Cumprida a rigor tal missão lá ficamos até 4 de Setembro depois de dois mortos, o Soldado Aguiar e o 2º Sargento Mota e vários feridos dos quais cinco evacuados e um deles, o Furriel Milho, cego de uma vista.

Também aqui se dá uma atitude enérgica, e talvez inédita, por parte do Ten. Mil. médico Dr. Pimenta que, segundo o entendimento e escola de comando do Cap. Comandante Abrantes, contra o regulamentado obrigou o Oficial piloto do Dornier a transportar o 2º Sargento Mota para Luanda não obstante o considerar morto contra a opinião médica que o considerava ainda vivo e responsabilizava o piloto pela eventual morte do Mota por falta de socorro; depois do Aguiar que tivera morte instantânea nunca mais o Dr. Ten. médico deixou que outro morto fosse enterrado no mato.

Haveria de dar-se mais tarde outra situação idêntica no Mucondo com o soldado Pires manifestamente morto mas que o Ten. Mil. Pimenta fez valer a sua condição de médico para obrigar o Cap. piloto a transportar o morto para Luanda; havia uma consonância de pensamento entre Cap. Comandante e Os Oficiais do Esquadrão de como conduzir a tropa naquela situação de guerra isolados no mato rodeados de inimigos; os soldados observavam e sentiam o valoroso comportamento dos Oficiais em sua defesa e orgulhavam-se disso pelo que, por sua vez, estavam sempre prontos e disciplinados a seguir os seus oficiais.

8º. Nova missão foi dada ao Esq. 149: desobstrução do itinerário Quimanoxe-Quijoão-Caje-Fazenda Maria Fernanda-Rio Dange-Cassacala a fim de guarnecer o flanco das tropas que actuavam na "Operação Esmeralda" na área da "Pedra Verde", Úcua. Esta Operação implicava a transposição do Rio Dange na área de Quijoão.

Iniciou-se o acampamento junto da margem direita do grande Rio Dange com a desmatação de uma área para improvisar um heliporto; foi esta a primeira vez que tivemos o apoio de helicóptero que trouxe o tão faltado como desejado correio e transportou os dois feridos graves que tinha-mos sob tratamento médico  deficiente na mata.   

A antiga jangada existente no local havia sido destruída e os restos jaziam no meio do rio a cerca de 400 m abaixo do local de transposição. Nada metia medo ou atrapalhava a ousadia do Comando e pessoal do Esquadrão; a 13 de Setembro iniciou-se a construção de uma nova jangada improvisando paus arrancados à mata, bidons velhos remendados como bóias, tábuas e pregos achados nas sanzalas abandonadas, arame farpado para amarrar os bidons aos paus de suporte do estrado; dois homens a nado e um cordel nos dentes fez passar o velho cabo de aço para a outra margem e atá-lo a um imbondeiro; com estacas de pau e tábuas velhas construiu-se um pequeno cais à altura da jangada.

A 15 de Setembro deu-se por concluída a jangada abarracada e posta a flutuar, aquela maravilha do improviso à portuguesa único no mundo; fez-se a experiência com um jipão com guincho e cerca de vinte homens para fazer de lastro de equilíbrio face à corrente do rio que era enorme no meio das águas; quando a jangada atingiu o centro da corrente começou a empinar e teve de ser reforçada, com mais homens que a nado atingiram e saltaram para a jangada, uns para fazer peso e outros ajudarem os que agarrados ao cabo de aço, que fazia de guia, puxarem contra a corrente aquela estranha embarcação a fim de a manterem segura e equilibrada; tudo esteve por um fio, contudo, dado a bravura do pessoal de bordo a jangada foi trazida para terra e feitos alguns reparos de estaleiro necessários; alguns bidons apanhados nas sanzalas tinham buracos e foi preciso tapa-los com cunhas de pau; reforçou-se a estrutura de arame que amarrava os bidons à estrutura de paus; procedeu-se a outras pequenas reparações para tornar mais sólida a totalidade da jangada.

E de novo a nossa improvisada embarcação plana foi lançada à água; dada a experiência obtida antes, este segundo lançamento à água correu controlado e a transposição deu-se; agora com um jipão em cada margem tínhamos um sistema motriz de vai-vem para rebocar a jangada contra a corrente mais adversa. E aos vai-e-vem a jangada transpôs os demais jipões e jipes e material dos pelotões de modo a poderem avançar em direcção à Pedra Verde protegendo a retaguarda e linha de fuga do inimigo; só no dia seguinte chegou, escoltada por um nosso Pelotão que já transpusera o rio, uma secção de engenharia com o material requerido para reforçar a jangada e esta poder transpôr as viaturas pesadas.

Esta perigosa e aventurosa mas pensada, calculada e acautelada operação foi executada de fio a pavio sem um único acidente ou a mínima perda de material apesar de alguns ataques do inimigo feitos de longe e sem perigo; foi uma realização espantosa só possível de realizar por tropa competente, moralizada e sobretudo ousada, sem medo de correr riscos.            

9º. Na Operação "Pé-Leve", penúltima operação sob Comando do Cap. Rui Coelho Abrantes, o Esquadrão reforçou durante dez dias o Bat. Caç. 158 na zona de Quizonve-Quisserongue entre os rios Onzo e Uezo, no Concelho do Ambriz. No dia 19 de Fevereiro de 1962 pelas 21 horas o acampamento, montado em círculo, foi perigosamente atacado de cerca de 50m por alguns homens armados com armas automáticas, precisamente, quando o Soldado Higino Algarvio junto de uma rodela de Soldados, tocava no seu acordeão.

Após a reacção imediata dos homens do Esquadrão, comandada pelo próprio Cap. Abrantes, dá-se o imprevisível da situação vinda directamente do Comandante; quando os homens do Esq. estavam todos em alerta de armas na mão virados para a mata e local do fogo inimigo, o Cap. Abrantes dá ordem para que o Higino agarre no acordeão e continue a tocar novamente, se possível, ainda mais alto para que o inimigo ouvisse bem.

Era assim o nosso Comandante; quando não havia uma vitória militar no terreno explorava imediatamente uma vitória psicológica sobre o inimigo, se tal fosse possível e adequada. Imaginem o que teriam pensado aqueles homens, já de si pouco foitos guerrilheiros, senão que o ataque fora falhado e mais importante, que tal som sobre-elevado do acordeão serviria para encobrir um assalto do nosso pessoal ao local onde se encontravam os atacantes.

A medida racional do atacante inimigo foi, naturalmente, fugir o mais rápido possível do local e, assim,  deixar-nos em sossego, naquela noite e seguintes.

10º. Desembarcámos em Luanda, sob o Comando do Cap. Rui Coelho Abrantes, em 07 de Julho de 1961 e este partiu para Portugal, o "Puto", em 19 de Março de 1962; se, em apenas cerca de nove meses de Comando do Esq. de Cav. 149, o Cap. Abrantes, quer segundo sua previsão do que era aquela guerra de guerrilha quer depois segundo uma observação atenta sobre as condições e práticas no terreno, quer da nossa tropa quer do inimigo acerca daquela guerra, imaginou, pôs em prática e desenvolveu todo um conjunto de ideias inovadoras para a acção vitoriosa do Esquadrão no terreno, a questão é; quantas mais teria imaginado e posto em prática em benefício dos Soldados e glória do Esquadrão de Cavalaria 149 naquela campanha de 1961-1963 em Angola.


terça-feira, 9 de novembro de 2021

JOÃO ALVES PIMENTA 1931 - 2021

Ten. Mil. médico do Esquadrão de Cavalaria nº 149 entre 1961-1963 em Angola, natural de Ponte de Sor, nascido em 06 de Maio de 1931 faleceu ante-ontem em 07 de Novenbro de 2021.

Figura exemplo de vida ímpar do Esquadrão foi-o igualmente na sua vida profissional como constatámos acompanhando-o sempre de perto desde o nosso encontro e camaradagem durante vinte e oito meses contínuos de situação de guerra no Norte de Angola. Ele que corria imediatamente agarrado à sua maleta de pronto-socorro mal era informado de alguém ferido, e que só não conseguiu dar vida aos que lhe chegavam às mãos já mortos; Ele que socorreu homens e mulheres de tantos males e salvou tantas vidas não pôde socorrer e salvar-se a si próprio da implacável corrosão do tempo; já alguns homens poderosos da mitologia tentaram lutar e matar a morte para tornar-se imortais contudo, o Dr. Pimenta imortalizou-se, junto de nós, pela suas qualidades de amizade, entrega, competência e generosidade dedicadas aos outros que dele precisavam.

Todos nós, os homens do Esq.Cav.ª 149, temos de algum modo e sob qualquer um aspecto da nossa vida na guerra em Angola, uma dívida de gratidão pelo apoio clínico primeiro e depois pelo apoio moral, psicológico, conselho amigo e familiar, que prestou desde o primeiro momento a todos igualmente; dedicou-se aos outros como se todos fossem de sua família e, verdadeiramente, tornou o Esq. 149 numa grande família na qual Ele era a figura paternal que todos escutavam e em quem todos confiavam abertamente. 

A sua atenção acerca da saúde física, moral e mental dos homens do Esquadrão era permanente e nunca deixou que algum deles ultrapassasse o ponto de não retorno ou caísse em situação de demência mental por cansaço ou por medo do perigo eminente; até como homem militar era um exemplo de coragem inteligente que sabia correr os riscos necessários para o socorro sob combate.

Por nossa vontade quereríamos tê-lo, para sempre, junto de nós mas o que nós queremos não conta perante a lei não escrita mas rigorosa e inultrapassável na vida dos humanos sobre a terra. Assim, resta-nos a ajuda do seu exemplo para completar a caminhada e pensar que Ele está algures, observando-nos.   

        

domingo, 27 de junho de 2021

27 JULHO DE 1961; O EMBARQUE HÁ 60 ANOS






O 2º Sargento Leitão, fotógrafo amador mas especialmente preparado e equipado como um competente repórter fotográfico profissional foi, durante todo o tempo de comissão do Esquadrão 149 em Angola, o nosso repórter oficioso e tão empenhado no gosto de fotografar que muitas vezes, de sua iniciativa pessoal, pedia ao Cap. Comandante Abrantes para participar em operações fora do seu âmbito militar de Transmissões apenas para poder registar com a sua velha Rolex  momentos militares simbólica e historicamente importantes. 

Mais tarde, em muitas das fotos tiradas nessa sua 1ª campanha em África, especialmente naquelas que referenciam situações mais emocionantes como foi o caso da partida do cais de Lisboa em 27.07.1961, escreveria horas, datas e legendas que retratam bem a sua e também nossa forte emoção daquele momento único, estranho e difícil das nossas vidas.

E não era caso para menos pois íamos descer o Atlântico numa viagem directa(*) Lisboa-Luanda de barco com mais de duas mil e quinhentas pessoas a bordo durante nove(**) dias no meio do oceano sem terra à vista; o espanto e receios, manifestos ou secretos, sentidos por estes Soldados era visível no nervoso miudinho mesmo sob os sorrisos de sua boa disposição e juvenil ingenuidade pois, a maioria dos quais eram jovens rapazes arrancados às suas aldeias do interior, sem nenhum contacto com o mar ou viagens de barco. 

Contudo, ainda, mais poderoso emocional e sentimentalmente era a despedida e separação com lágrimas e lenços a acenar dum lado e outro, no Cais de Alcântara, dos familiares, esposas, namoradas e amigos numa situação de grande incerteza no regresso; pois que sabiam aqueles rapazes ex-pacatos aldeões acerca daquela guerra? Que experiência tinham acerca de luta de guerrilha em plena selva tropical? Que poderiam pensar estes Soldados acerca das possibilidades de regressarem vivos? E quem os podia informar se até mesmo os oficiais seus comandantes sabiam das condições daquela guerra tanto ou pouco mais que eles?

Para mais quer a viagem do paquete Príncipe Perfeito quer do Vera Cruz não correram nada bem no que diz respeito às instalações dedicadas aos Soldados. Eram enormes paquetes mas ainda assim eram insuficientemente grandes e espaçosos para a quantidade de homens que transportavam; os catres de madeira com colchões de serapilheira cheios de palha para dois homens foram instalados em átrios, corredores e sobretudo nos porões da frente dos navios ventilados por tubos de lona a partir da proa; quando o mar ondulava mais alto as ondas batiam forte na proa e nem os catres nem os homens aguentavam direitos o embate das ondas; no caso do paquete Príncipe Perfeito que transportava praticamente todo o pessoal o cheiro das tintas ainda frescas da pintura recente, especialmente nos porões mal ventilados, tornara-se insuportável para além da batida dura das ondas; o próprio cheiro das tinhas acabou por impregnar-se aos alimentos, também eles armazenados nos mesmos porões dos militares, degradaram o gosto ou tornaram intragável mesmo a comida cosinhada; foi de tal modo que os Soldados retiraram os colchões de palha dos catres nos porões e vieram dormir para os convés ou em qualquer espaço livre que encontrassem; de manhã à hora do pequeno almoço havia palha espalhada por todos os pisos e chão do barco.

Claro, isto passava-se em 1961 no início da guerra e quando soava ainda no ar a ordem de "Para Angola rapidamente e em força". Nada nem ninguém estava preparado para enfrentar tão repentinamente tamanho esforço de uma guerra, para mais, localizada a milhares de Kms de distância do centro logístico de apoio; estávamos ainda no tempo inicial recente do, 'faça-se de qualquer maneira custe o que custar'; os portugueses do "Puto" residentes em Angola viviam desesperados com uma possível invasão de Luanda semelhante ao 15 de Março passado-recente no Norte e iam agradecer e aclamar ao porto de Luanda as tropas que desembarcavam; o momento requeria urgência.

Finalmente terminou a corrida, muito rápida e mal preparada, dos três barcos que convergiam para o porto de Luanda onde atracaram a 07/Jul/61 com horas de diferença entre eles e onde desembarcámos todos devidamente fardados à militar. Sim, fardados tal qual como tínhamos embarcado, contudo, não como o Cap. Abrantes pensara e propusera à Chefia desembarcar em Luanda; é verdade, ele chegou a informar-nos que talvez fossemos desembarcar em Luanda vestidos de plumas à Índio e armados de arcos e flechas à maneira dos filmes de cow-boy americanos; o argumento era que constava em Luanda que o inimigo, educado pelo Quimbanda, acreditava que "arma de branco não mata" pelo que era preciso meter-lhes medo à chegada vestidos e armados ao modo dos índios que eles tinham visto lutar nos filmes e tanto os entusiasmava; a ideia foi recusada mas foi mais uma ideia inédita do Cap. Abrantes entre tantas que idealizou e utilizou com eficácia e grande sucesso militar. 

Passámos uma semana em Luanda a tratar de equipar o Esquadrão com viaturas, rádios, combustível, alimentos e outros e, sem qualquer exercício de adaptação, no dia 14/Jul/61 arrancámos e apresentámo-nos na Fazenda Tentativa, Caxito onde estava aquartelado o Comando do Sector Operacional Nº 3 de quem ficámos dependentes para efeitos operacionais.

A nossa entrada em cena como combatentes foi fazer patrulhamento no eixo Sassa-Anapasso, picada em direcção a Nambuangongo, nos dias 15 e 17 de Julho e depois na realização de uma grande emboscada, com a totalidade operacional do Esquadrão e Artilharia Pesada na região de Anapasso entre 17 e 18 de Julho; tratava-se de dar crédito a informação recolhida de preparação de um ataque em massa do inimigo sobre as tropas na Fazenda Tentativa que depois se dirigiria sobre Luanda coisa que fazia parte do que se dizia e dos grandes medos da população em Luanda; foram quase 24 horas deitados na orla da mata de arma apontada à espera da mole de inimigos que afinal e felizmente não compareceram ao encontro; teria sido uma provável morte à entrada da guerra ou uma provável carnificina que atormentaria o nosso próprio sentimento de ser humano o resto da vida.

A 20/Jul/61 partimos para Ambriz e ia connosco, como adidos, um Pelotão de Sapadores e outro de Artilharia 8,8 sinal de que estava já definida a nossa participação na Operação Viriato que estabelecia como objectivo a tomada de Zala e possível ocupação de Nambuangongo; após os preparativos logísticos e militares e reconhecimento aéreo da zona de nossa intervenção seguido de um reconhecimento no terreno pelo 3º Pelotão até 50 Kms do Ambriz em Cavunga, onde houve verdadeiro baptismo de guerra com vários feridos ligeiros, e mais os reforços de um Pelotão de Engenharia, uma Secção de Morteiros 8,8 e em cima da hora de partida de um Pelotão de Panhards do Regimento de Cavalaria de Luanda e também, inesperada e surpreendentemente, de uma equipa de reportagem da RTP que registaria em filme toda a nossa arrancada até Nambuangongo.             

Por fim às 05H00 de 26/Jul/61 deu-se a grande arrancada do Esq.149 em direcção a Cavunga no itinerário Ambriz-Cavunga-Quimbumbe-Zala-Nambuangongo, objectivo final; somente 18 dias após o desembarque em Luanda uma coluna, composta de 172 homens do Esquadrão 149 mais os cerca de 130 homens adidos e montada em cerca de 50 viaturas, formando uma invencível muralha mecânica móvel carregada de homens de armas na mão serpenteando pelas picadas das matas angolanas, defendia da morte certa os restos do império português.

    

 Ps: Para acertar a história do Esq. Cavª. 149 com a verdade dos factos é preciso informar que o embarque do Esquadrão 149 no cais de Alcântara em Lisboa teve três momentos de partida em barcos diferentes e a viagem dois momentos de encontro com terra:

(*)

O paquete Príncipe Perfeito que transportava o grosso do Esq.149 atracou por horas no Funchal e fundeou também algumas horas ao largo de S.Tomé por motivos logísticos.

 (**)

1º. Embarque no cargueiro Rovuma em 25.06.1961da 1ª Secção do 1º Pelotão comandada pelo Sargento Góis responsável pelas viaturas e diverso material de guerra a bordo destinado e já entregue ao Esquadrão. 

2º. Embarque do Esquadrão em 27.06.1961 no paquete Príncipe Perfeito, sua viagem inaugural,  excepto;

3ª. Embarque em 28.06.1961 no paquete Vera Cruz do 2º Comandante Alferes Ruben e dos Alferes Mil. assim com todos Sargentos e Furrieis Mil. de comando de Secções de atiradores.        

quinta-feira, 6 de maio de 2021

DR. JOÃO ALVES PIMENTA; 90 ANOS

 

Faz hoje 90 anos de vida o nosso Ten. Mil. Médico Dr. João Alves Pimenta figura ímpar do Esquadrão de Cavalaria 149 em Angola entre 1961 - 1963.

Figura ímpar que reconhecemos primeiro na sua qualidade de Oficial militar médico na guerra e depois na sua conduta de vida ao longo destes anos todos na sua actividade civil como cidadão, médico, pedagogo e amigo exemplar em todos os sentidos do que há de melhor nas qualidades humanas.

É ver o discurso acima proferido em Lanceiros 2 no nosso primeiro encontro vinte e cinco anos após o desembarque em Lisboa em 10 de Outubro de 1963; interpretá-lo hoje à luz da controvérsia actual acerca da ética e heroicidade entre os combatentes e os exilistas; entre os que lutaram cá dentro de armas na mão e os lutadores de caneta ou palavras, lá fora; entre os que deram o "salto" para fugir à guerra e à miséria e os que "saltaram" por convicção política ou outra causa menos nobre.

Ver como o Dr. Pimenta, que viveu no centro de permanente perigo sempre entre os Soldados, tratando-os, confortando-os e aconselhando-os ora como médico, ora como psiquiatra, ora como pai ou mesmo uma grande "Mãe Preta" tratando todos igual e imparcialmente, sentiu o seu dever e o nosso como um forte contributo para o fortalecimento da amizade, unidade e entreajuda comum como suporte para enfrentar não só os perigos iminentes da guerra como os futuros ao longo da vida civil de cada um; Ele conviveu junto e sentiu a grandeza do nosso contributo com mortes e sangue e ensina-nos que devemos orgulhar-nos disso e não o contrário pois cumpríamos a nossa missão disciplinadamente, não obstante obrigados; Ele também sabia que aos Soldados aldeãos pobres e analfabetos não restava outra alternativa pois até consigo próprio isso tinha acontecido; sendo ele mais velho que nós oito anos todos os médicos anteriores ao seu curso se escusaram, "saltaram" ou arranjaram pretextos e poderosas "cunhas" para fugirem à mobilização.

E o exemplo ímpar de, onde quer que estivesse, estar sempre pronto a socorrer alguém aflito na sanzala que lhe pedisse socorro; no Caxito substituiu o Delegado médico que falecera e instalou um consultório onde dava consulta diária a mais de duzentos habitantes locais; vária vezes, pela noite adiantada, foi só com o condutor do jipe e um maqueiro assistir a mulheres nativas da sanzala para as salvar e aos filhos de partos complicados; o mesmo aconteceu como militar onde, logo que havia feridos, logo o Dr. Pimenta aparecia a correr com a sua sacola de pronto-socorros e lancetas pronto a operar.

Quando era estudante em Lisboa tive um Professor Engº. da EDP de quem um colega meu dizia: - Este homem devia ser pago e bem apenas para ensinar e formar homens e não fazer mais nada -;  

Pois o Dr. Pimenta que também tive o privilégio de conhecer em circunstâncias de formação de carácter e rectidão humana, é um desses homens raros a quem devemos admiração e um respeito sem limites.

segunda-feira, 15 de março de 2021

DIA DE BARBARIDADES DE GUERRA


Este foi o dia inicial bárbaro, sujo e violento da guerra colonial obrigatória para cerca de um milhão de soldados na qual tombaram cerca de mil mortos e feridos graves evacuados, para nada.  

O dia de barbaridades a que uma democracia (USA) deu o aval porque uma ditadura (Salazar) não quis negociar nem ceder um mínimo para salvaguardar o essencial como a fixação ou o regresso dos habitantes portugueses em paz e com dignidade; o "Velho do Restelo" era sábio e tinha a visão da razão a prazo histórico, "A que novos desastres determinas/De levar estes reinos e esta gente/Que perigos e que mortes lhe destinas/Debaixo dalgum nome preminente?"; já se tinham ido as "Minas" e os "Fortes" ao longo da costa africana e mesmo depois de ter ido violentamente a jóia de Albuquerque na Índia  e nem assim o velho mais velho que o Velho do Restelo no Séc. XX e teimoso como a mulher do piolhoso não alterou um milímetro de sua posição de fé e sacrifício.

Foi coerente? Foi, com a sua visão beata de que a morte é redentora e salva as almas dos heróis sacrificados em nome da pátria; foi, com a sua visão do soldado herói que quis imitar mas o facto é que nunca pôs o cu em África e mal arriscou sair de S. Bento onde foi sempre o impopular "Esteves"; foi incoerente com a sua mesquinha visão de velho forreta quando gastou milhões aforralhados à custa de trabalho escravo com a guerra colonial para vir a cair de cima de uma cadeira podre de velha que lhe deu a morte.

E, ao contrário de Pedro com Inez foi pobre, triste, estúpido e sem nenhuma grandeza a desonestidade do procedimento subserviente doentio dos seus apaniguados fazendo-o crer que mesmo incapaz, sem memória e inteligência, ainda era o Doutor Professor Presidente do Concelho até morrer; afinal morreu como viveu, segundo uma permanente mentira histórica.     

Esta é a casa da roça "Fazenda Maria Fernanda" onde, sob os escombros deixados no chão neste dia 15 de Março de 1961 pela UPA, parte do Esq. 149 dormiu algumas noites depois da desobstrução da respectiva picada a partir de Balacende e que passava pela travessia do rio Lifune, "Roça Margarido" e por fim a Maria Fernanda cerca de 15 Kms depois.

A desobtrução da picada e ocupação destas roças de café, duas das maiores do norte angolano deu-se, depois da tomada de Nambuangongo, Quipedro e passagem pela Pedra Verde, poucos dias depois de ficarmos aquartelados nas Mabubas; uma recordação inesquecível da estadia na Maria Fernanda foi uma repentina dor de dentes que me obrigou a ser evacuado por Dornier para Luanda para tirar o dente infectado; foi o meu primeiro dente deitado fora e o meu baptizo de avião que deu origem a outra história; foram comigo para Luanda os meus camaradas colegas Palhavã e Chambel que combinaram com o oficial piloto fazer-me um especial baptizo de voo, assim; mal entrei o piloto avisou-me que ao lado da porta onde eu ia haviam sacos de plástico para quem vomitava devido aos solavancos, sacudidelas e variações rápidas de direcção de que tomei atenção; ao chegar a Luanda o piloto faz-se à pista e de repente empina o avião para o ar, dá umas variações bruscas e zás, ao aterrar finalmente mal tive tempo de jogar a mão à porta de saída e não de tirar e desenrolar o saco plástico; vomitei fortemente metade dentro do avião e metade na pista enquanto os meus camaradas colegas riam de gozo.

Afinal, se as partidas fossem todas assim as memórias de guerra também davam para contar histórias sentimentais mais tarde, após o regresso. 

 

domingo, 7 de março de 2021

A GUERRA COLONIAL: EMBARCAR OU DAR O SALTO. 2

Terminámos a parte 1 com a conclusão de que dar o salto, sendo comum a desertores e a emigrantes, tem significados diferentes porque partem e derivam de situações e intenções de vida completamente díspares e até opostas; ao desertar um ex-aluno candidato a Oficial do exército comete um acto político e requer o estatuto de exilado político; o aprendiz de pedreiro requer o estatuto de trabalhador indiferenciado  e requer trabalho e residência; um usa o salto como meio de continuar a ser um homem político o outro usa-o para fazer do trabalho puro e duro a sua política.    

Estamos, portanto, perante uma grande disparidade de motivações e fins que, consequentemente, se reflectem e vão dar origem a uma igual grande disparidade entre combatentes de armas na mão e exilados desertores mesmo que de uso de palavras e caneta na mão; estes continuarão sendo uma elite mais ou menos comodamente instalada em Paris ou Estocolmo sem correr riscos ao contrário dos combatentes que isolados no meio da mata correm risco de morte dia e noite ininterruptamente todos dias cada 24 horas do dia.

Esta disparidade de situações é bem evidente quando, sempre que discutimos com desertores exilados estes, desabafam que sempre se sentiram bem no exílio, satisfeitos, não arrependidos de nada, foram e vivem agora felizes com as suas memórias, sentem-se do lado certo da história, não há entre eles deficientes físicos nem mentais, não há qualquer problema nacional com os desertores e exilados da guerra.

E com os combatentes? Podem os combatentes sentir-se bem, satisfeitos, contentes, felizes com o que passaram isolados no meio do mato alimentados a ração de combate, a comer o pó das picadas, a passar dias a pé por carreiros e trilhos à intempérie ora ao sol tórrido sem água no cantil ora sob chuva e lama sem abrigo; pode alguém sentir-se bem depois de ver o seu melhor amigo do acampamento tombar na picada ao seu lado, de repente? 

Como podem os combatentes ser abertos, alegres ou sentirem-se bem e contarem histórias fora do seu grupo de camaradas quando a única coisa boa que lhes aconteceu foi terem voltado vivos da guerra? Como podem os combatentes contar histórias sentimentais do tipo o salto do desertor se foram obrigados a deixar familiares, mulheres e filhos pequenos, noivas, namoradas, ofícios, amigos, festas e vidas felizes nas suas aldeias  para embarcar e viajar aos trambolhões no fundo de porões dos navios transatlânticos onde mal respiravam por um tubo de lona que vinha da parte emersa do navio e onde nem conseguiam manter-se em cima das tarimbas quanto mais dormir? E mal desembarcados imediatamente enviados para o interior de uma guerra de guerrilha em plena selva africana que lhes tapava o céu e toldava os sentimentos donde brotavam lágrimas secas para não serem vistas. 

Para o combatente não houve salto para uma história feliz mas sim um assalto à sua felicidade de simples e puro aldeão analfabeto aprendiz de um ofício ou trabalhador de sol a sol nas suas pequenas parcelas de terra arável. E depois da guerra, novamente entregues à sua sorte, tiveram de emigrar a salto  ou por carta de chamada onde depararam com outra guerra de sobrevivência pelo trabalho duro no bâtiment e preocupações de chamar mulheres e filhos para os safar de irem, também eles, parar à mesma guerra que os pais.

Contudo, mesmo do interior de tão grande desumana maldade como é uma guerra, ainda assim se podem extrair alguns casos que são exemplos para o futuro; a amizade e solidariedade humana que se estabelece entre camaradas de armas no isolamento dos acampamentos no mato; o real conhecimento das nossas capacidades de sofrer e saber aguentar sem se ir abaixo; o aprender a sobreviver em condições de total isolamento sem habitação, higiene e sob perigo de morte constante; a unidade, lealdade e entreajuda fraterna, limpa, verdadeiramente amiga e desinteressada estabelecida entre todos. 

Estas condições de vida comum dura e perigosa igual para todos foram parte da formação de soldados para melhores e mais experientes homens aptos a enfrentar as lutas posteriores da vida civil; realmente a sua conduta posterior até hoje é mais de ouvir, observar e compreender do que falar ou contar histórias tristes ao contrário de outros; eles sentem e sabem que a história acabará por dar-lhes razão quanto mais não seja porque estiveram do lado dos que sofreram e deram o sangue em sacrifício de nada; sentem e sabem que foi, sobretudo, o sacrifício sem sentido de suas vidas jovens, umas perdidas para sempre e todas durante dois anos de vida de juventude foi, dizia, o maior e decisivo contributo para uma tomada de consciência e revolta das forças militares portuguesas para acabar com a dita guerra.

E tanto é assim que são os nomes de combatentes mortos ou sobreviventes que já começam a estar inscritos em pedra de pequenos monumentos e memoriais levantados em sua honra por cidades, vilas e aldeias. 

E até poderão, em tempos posteriores, alguns querer rever o passado de hoje para redefinir e alterar a história e querer deitar abaixo tão modestos honoríficos memoriais sob o pretexto de  comemorar outra coisa oposta ou diferente que, nem por isso, os combatentes deixarão de ser aqueles que estiveram, obrigados, do lado dos sacrificados em vão, para mais, iludidos por mor de falsos valores.
 

Thursday, March 04, 2021

A GUERRA COLONIAL: EMBARCAR OU DAR O SALTO. 1

 
 
Um camarada de guerra alertou-me para o programa "Outras Histórias - Fui Desertor" da RTP passado no dia 08.02.2021 acerca de dois desertores assumidos da guerra colonial. Logo pensei que teria sido mais uma conversa sobre aquela sempre revisitada discussão indeterminada sobre qual das situações contém maior valor de comportamento e heroicidade; ter ido ou ter desertado da guerra; ou quem contribuíra mais para denunciar a guerra injusta do caduco colonialismo e, desse modo de luta, ajudara fortemente a uma tomada de consciência maioritária dos portugueses contra a guerra. 

Logo após o 25 Abril muitos intelectuais regressados do exílio voluntário uns ocuparam altos cargos nos sucessivos governos e outros as redacções de meios de comunicação e todos quiseram sempre criar uma ideia dominante de que, pela coragem de se oporem e denunciar a guerra injusta e suja nas colónias, eram eles os exilados, os certos e verdadeiros opositores e revoltosos combatentes contra a guerra ao contrário dos que embarcaram e lutaram de armas na mão ao serviço do regime colonialista. 

Entre as duas situações limite, desertor-herói e combatente-cobarde e vice versa combatente-herói e desertor-cobarde, que os mais radicais querem fazer passar ainda hoje haverá, certamente, um lugar histórico que o tempo vai fixar depois que a poeira ainda no ar dos que viveram os acontecimentos, assente definitivamente e se possam reunir todos os dados, relatos, registos e documentos verdadeiros para serem compilados, pensados, interpretados, pesados e julgados em conjunto, comummente, afim de estabelecer o papel e o impacto de cada lado e por fim definir o devido lugar de quem foi quem futuramente na história do país. 

A sentimental história destes dois desertores e sua passagem a salto para França é paralela a milhares de pobres emigrantes que fugiram da guerra e miséria como aquela do Juvenal, um gorjonense que no dia de embarque em 1961, após o desfile no cais, atirou a farda ao rio e tomou rumo à Guarda onde passou a fronteira a salto até um monte espanhol onde esperou uma semana por mais dezassete saltantes (mais dois gorjonenses) e guiados por passadores que se revezavam cruzaram a Espanha por carreiros de cabras por montes e vales sempre a pé até à fronteira de França que passaram de carro. 

A história é paralela mas não igual; O Juvenal era um rapaz pobre, aprendiz de pedreiro que ajudava à casa, já tinha familiares, também idos a salto, a trabalhar em França como apoio imediato para tirar os papéis para obter trabalho no bâtiment e residência no bidonville; os nossos jovens da história contada pela RTP eram ex-alunos da Academia Militar para onde entraram em 1961, início da guerra, e depois são desertores do curso de Oficias Milicianos em 1970 criando na descrição de sua história um hiato longo em branco entre uma data e outra: ter-se-iam demitido da Academia Militar e ido para uma Academia civil e serem incorporados e mobilizados em 1970? 

Desde logo uma diferença enorme de significado dá início ao que aparenta ser uma mesma actitude, dar o salto; os ex-alunos da Academia Militar fogem à desgraça da guerra ao passo que o aprendiz de pedreiro foge à guerra para não juntar uma desgraça à miséria. 

 (continua)
 
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quinta-feira, 4 de março de 2021

A GUERRA COLONIAL: EMBARCAR OU DAR O SALTO. 1

 

 
Um camarada de guerra alertou-me para o programa "Outras Histórias - Fui Desertor" da RTP passado no dia 08.02.2021 acerca de dois desertores assumidos da guerra colonial. Logo pensei que teria sido mais uma conversa sobre aquela sempre revisitada discussão indeterminada sobre qual das situações contém maior valor de comportamento e heroicidade; ter ido ou ter desertado da guerra; ou quem contribuíra mais para denunciar a guerra injusta do caduco colonialismo e, desse modo de luta, ajudara fortemente a uma tomada de consciência maioritária dos portugueses contra a guerra. 

Logo após o 25 Abril muitos intelectuais regressados do exílio voluntário uns ocuparam altos cargos nos sucessivos governos e outros as redacções de meios de comunicação e todos quiseram sempre criar uma ideia dominante de que, pela coragem de se oporem e denunciar a guerra injusta e suja nas colónias, eram eles os exilados, os certos e verdadeiros opositores e revoltosos combatentes contra a guerra ao contrário dos que embarcaram e lutaram de armas na mão ao serviço do regime colonialista. 

Entre as duas situações limite, desertor-herói e combatente-cobarde e vice versa combatente-herói e desertor-cobarde, que os mais radicais querem fazer passar ainda hoje haverá, certamente, um lugar histórico que o tempo vai fixar depois que a poeira ainda no ar dos que viveram os acontecimentos, assente definitivamente e se possam reunir todos os dados, relatos, registos e documentos verdadeiros para serem compilados, pensados, interpretados, pesados e julgados em conjunto, comummente, afim de estabelecer o papel e o impacto de cada lado e por fim definir o devido lugar de quem foi quem futuramente na história do país. 

A sentimental história destes dois desertores e sua passagem a salto para França é paralela a milhares de pobres emigrantes que fugiram da guerra e miséria como aquela do Juvenal, um gorjonense que no dia de embarque em 1961, após o desfile no cais, atirou a farda ao rio e tomou rumo à Guarda onde passou a fronteira a salto até um monte espanhol onde esperou uma semana por mais dezassete saltantes (mais dois gorjonenses) e guiados por passadores que se revezavam cruzaram a Espanha por carreiros de cabras por montes e vales sempre a pé até à fronteira de França que passaram de carro. 

A história é paralela mas não igual; O Juvenal era um rapaz pobre, aprendiz de pedreiro que ajudava à casa, já tinha familiares, também idos a salto, a trabalhar em França como apoio imediato para tirar os papéis para obter trabalho no bâtiment e residência no bidonville; os nossos jovens da história contada pela RTP eram ex-alunos da Academia Militar para onde entraram em 1961, início da guerra, e depois são desertores do curso de Oficias Milicianos em 1970 criando na descrição de sua história um hiato longo em branco entre uma data e outra: ter-se-iam demitido da Academia Militar e ido para uma Academia civil e serem incorporados e mobilizados em 1970? 

Desde logo uma diferença enorme de significado dá início ao que aparenta ser uma mesma actitude, dar o salto; os ex-alunos da Academia Militar fogem à desgraça da guerra ao passo que o aprendiz de pedreiro foge à guerra para não juntar uma desgraça à miséria.

(continua)