domingo, 27 de junho de 2021

27 JULHO DE 1961; O EMBARQUE HÁ 60 ANOS






O 2º Sargento Leitão, fotógrafo amador mas especialmente preparado e equipado como um competente repórter fotográfico profissional foi, durante todo o tempo de comissão do Esquadrão 149 em Angola, o nosso repórter oficioso e tão empenhado no gosto de fotografar que muitas vezes, de sua iniciativa pessoal, pedia ao Cap. Comandante Abrantes para participar em operações fora do seu âmbito militar de Transmissões apenas para poder registar com a sua velha Rolex  momentos militares simbólica e historicamente importantes. 

Mais tarde, em muitas das fotos tiradas nessa sua 1ª campanha em África, especialmente naquelas que referenciam situações mais emocionantes como foi o caso da partida do cais de Lisboa em 27.07.1961, escreveria horas, datas e legendas que retratam bem a sua e também nossa forte emoção daquele momento único, estranho e difícil das nossas vidas.

E não era caso para menos pois íamos descer o Atlântico numa viagem directa(*) Lisboa-Luanda de barco com mais de duas mil e quinhentas pessoas a bordo durante nove(**) dias no meio do oceano sem terra à vista; o espanto e receios, manifestos ou secretos, sentidos por estes Soldados era visível no nervoso miudinho mesmo sob os sorrisos de sua boa disposição e juvenil ingenuidade pois, a maioria dos quais eram jovens rapazes arrancados às suas aldeias do interior, sem nenhum contacto com o mar ou viagens de barco. 

Contudo, ainda, mais poderoso emocional e sentimentalmente era a despedida e separação com lágrimas e lenços a acenar dum lado e outro, no Cais de Alcântara, dos familiares, esposas, namoradas e amigos numa situação de grande incerteza no regresso; pois que sabiam aqueles rapazes ex-pacatos aldeões acerca daquela guerra? Que experiência tinham acerca de luta de guerrilha em plena selva tropical? Que poderiam pensar estes Soldados acerca das possibilidades de regressarem vivos? E quem os podia informar se até mesmo os oficiais seus comandantes sabiam das condições daquela guerra tanto ou pouco mais que eles?

Para mais quer a viagem do paquete Príncipe Perfeito quer do Vera Cruz não correram nada bem no que diz respeito às instalações dedicadas aos Soldados. Eram enormes paquetes mas ainda assim eram insuficientemente grandes e espaçosos para a quantidade de homens que transportavam; os catres de madeira com colchões de serapilheira cheios de palha para dois homens foram instalados em átrios, corredores e sobretudo nos porões da frente dos navios ventilados por tubos de lona a partir da proa; quando o mar ondulava mais alto as ondas batiam forte na proa e nem os catres nem os homens aguentavam direitos o embate das ondas; no caso do paquete Príncipe Perfeito que transportava praticamente todo o pessoal o cheiro das tintas ainda frescas da pintura recente, especialmente nos porões mal ventilados, tornara-se insuportável para além da batida dura das ondas; o próprio cheiro das tinhas acabou por impregnar-se aos alimentos, também eles armazenados nos mesmos porões dos militares, degradaram o gosto ou tornaram intragável mesmo a comida cosinhada; foi de tal modo que os Soldados retiraram os colchões de palha dos catres nos porões e vieram dormir para os convés ou em qualquer espaço livre que encontrassem; de manhã à hora do pequeno almoço havia palha espalhada por todos os pisos e chão do barco.

Claro, isto passava-se em 1961 no início da guerra e quando soava ainda no ar a ordem de "Para Angola rapidamente e em força". Nada nem ninguém estava preparado para enfrentar tão repentinamente tamanho esforço de uma guerra, para mais, localizada a milhares de Kms de distância do centro logístico de apoio; estávamos ainda no tempo inicial recente do, 'faça-se de qualquer maneira custe o que custar'; os portugueses do "Puto" residentes em Angola viviam desesperados com uma possível invasão de Luanda semelhante ao 15 de Março passado-recente no Norte e iam agradecer e aclamar ao porto de Luanda as tropas que desembarcavam; o momento requeria urgência.

Finalmente terminou a corrida, muito rápida e mal preparada, dos três barcos que convergiam para o porto de Luanda onde atracaram a 07/Jul/61 com horas de diferença entre eles e onde desembarcámos todos devidamente fardados à militar. Sim, fardados tal qual como tínhamos embarcado, contudo, não como o Cap. Abrantes pensara e propusera à Chefia desembarcar em Luanda; é verdade, ele chegou a informar-nos que talvez fossemos desembarcar em Luanda vestidos de plumas à Índio e armados de arcos e flechas à maneira dos filmes de cow-boy americanos; o argumento era que constava em Luanda que o inimigo, educado pelo Quimbanda, acreditava que "arma de branco não mata" pelo que era preciso meter-lhes medo à chegada vestidos e armados ao modo dos índios que eles tinham visto lutar nos filmes e tanto os entusiasmava; a ideia foi recusada mas foi mais uma ideia inédita do Cap. Abrantes entre tantas que idealizou e utilizou com eficácia e grande sucesso militar. 

Passámos uma semana em Luanda a tratar de equipar o Esquadrão com viaturas, rádios, combustível, alimentos e outros e, sem qualquer exercício de adaptação, no dia 14/Jul/61 arrancámos e apresentámo-nos na Fazenda Tentativa, Caxito onde estava aquartelado o Comando do Sector Operacional Nº 3 de quem ficámos dependentes para efeitos operacionais.

A nossa entrada em cena como combatentes foi fazer patrulhamento no eixo Sassa-Anapasso, picada em direcção a Nambuangongo, nos dias 15 e 17 de Julho e depois na realização de uma grande emboscada, com a totalidade operacional do Esquadrão e Artilharia Pesada na região de Anapasso entre 17 e 18 de Julho; tratava-se de dar crédito a informação recolhida de preparação de um ataque em massa do inimigo sobre as tropas na Fazenda Tentativa que depois se dirigiria sobre Luanda coisa que fazia parte do que se dizia e dos grandes medos da população em Luanda; foram quase 24 horas deitados na orla da mata de arma apontada à espera da mole de inimigos que afinal e felizmente não compareceram ao encontro; teria sido uma provável morte à entrada da guerra ou uma provável carnificina que atormentaria o nosso próprio sentimento de ser humano o resto da vida.

A 20/Jul/61 partimos para Ambriz e ia connosco, como adidos, um Pelotão de Sapadores e outro de Artilharia 8,8 sinal de que estava já definida a nossa participação na Operação Viriato que estabelecia como objectivo a tomada de Zala e possível ocupação de Nambuangongo; após os preparativos logísticos e militares e reconhecimento aéreo da zona de nossa intervenção seguido de um reconhecimento no terreno pelo 3º Pelotão até 50 Kms do Ambriz em Cavunga, onde houve verdadeiro baptismo de guerra com vários feridos ligeiros, e mais os reforços de um Pelotão de Engenharia, uma Secção de Morteiros 8,8 e em cima da hora de partida de um Pelotão de Panhards do Regimento de Cavalaria de Luanda e também, inesperada e surpreendentemente, de uma equipa de reportagem da RTP que registaria em filme toda a nossa arrancada até Nambuangongo.             

Por fim às 05H00 de 26/Jul/61 deu-se a grande arrancada do Esq.149 em direcção a Cavunga no itinerário Ambriz-Cavunga-Quimbumbe-Zala-Nambuangongo, objectivo final; somente 18 dias após o desembarque em Luanda uma coluna, composta de 172 homens do Esquadrão 149 mais os cerca de 130 homens adidos e montada em cerca de 50 viaturas, formando uma invencível muralha mecânica móvel carregada de homens de armas na mão serpenteando pelas picadas das matas angolanas, defendia da morte certa os restos do império português.

    

 Ps: Para acertar a história do Esq. Cavª. 149 com a verdade dos factos é preciso informar que o embarque do Esquadrão 149 no cais de Alcântara em Lisboa teve três momentos de partida em barcos diferentes e a viagem dois momentos de encontro com terra:

(*)

O paquete Príncipe Perfeito que transportava o grosso do Esq.149 atracou por horas no Funchal e fundeou também algumas horas ao largo de S.Tomé por motivos logísticos.

 (**)

1º. Embarque no cargueiro Rovuma em 25.06.1961da 1ª Secção do 1º Pelotão comandada pelo Sargento Góis responsável pelas viaturas e diverso material de guerra a bordo destinado e já entregue ao Esquadrão. 

2º. Embarque do Esquadrão em 27.06.1961 no paquete Príncipe Perfeito, sua viagem inaugural,  excepto;

3ª. Embarque em 28.06.1961 no paquete Vera Cruz do 2º Comandante Alferes Ruben e dos Alferes Mil. assim com todos Sargentos e Furrieis Mil. de comando de Secções de atiradores.