segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

SOLDADO MOURARIA



O MOURARIA SENDO ENTREVISTADO PELO REPÓRTER DA RTP NEVES DA COSTA

O Mouraria tinha este nome de baptismo militar devido ao bairro lisboeta de sua naturalidade. Mas também esse baptismo não era indiferente ao seu comportamento e falas característicos desse bairro genuinamente típico de Lisboa. A sua atitude e reacção perante a guerra estavam-lhe moldados na alma pela sua pertença humana ao bairro onde mourejara desde criança a adulto. 
Passar de repente a ser militar apenas lhe introduziu obrigações que cumpria por imposição mas jamais por qualquer compreensão de ordem ou disciplina. O seu comportamento militar, ainda para mais o rígido comportamento militar cavaleiro, era nada para a sua inocência de garoto criado à solta nas ruas cheias de gente viva e atitude fadista. 

 MOURARIA A RECEBER TRATAMENTO MÉDICO DO DR. JOÃO PIMENTA EM PLENA PICADA

Dos cinco feridos ligeiros que tivemos durante a batalha de Zala um deles foi o Mouraria. O inimigo atacou com uma canhangulada sobre o jipão onde ia o Mouraria e feriu-o na boca e nariz e outros nas mãos e pernas contudo sem gravidade. O disparo fora feito de longe para o alcance daquela arma artesanal e os estilhaços de ferro, que no canhangulo substituiam as nossas balas, tiveram um impacto superficial. 


O DR. JOÃO PIMENTA A SER ENTREVISTADO APÓS RECOMPOR O NARIZ DO MOURARIA

Foi precisamente no arranque de Quimazangue para Zala que ao Mouraria lhe veio à mente as suas memórias de garoto pendurado nos eléctricos entre a Mouraria e o Chile. Quando a longa coluna de viaturas estava alinhada na picada para arrancar e o Comandante Abrantes deu ordem de marcha, o Mouraria desata a gritar sem parar, "segue, segue vai pró Chile" enquanto imitava o cobrador do eléctrico no gesto de puxar pelo cordão que fazia tocar campainha de arranque.
Tal grito e gesto aplicado no momento certo e instantaneamente adoptado e replicado em todas as viaturas ecoou um a um até à viatura da frente da coluna, e esta lançou o grito e o gesto para a rectaguarda enquanto arrancava lentamente.
Desde esse momento feliz nunca mais o Esquadrão, em qualquer operação, grande ou pequena, montada ou apeada, deixou de usar a voz de arranque "segue, segue vai pró Chile".
Este grito e gesto, usados sempre em todas as abaladas do aquartelamento ou cada vez que a coluna arrancava ou partia durante as operações, foi imediatamente adoptado pelo Comando e tornou-se uma voz de comando e um símbolo do Esquadrão que, como outros, o distinguiam. 
O som musical do "segue, segue vai pró Chile" aliado do gesto do puxar do cordão e o imitar do tocar da campainha, sugeria uma minúscula peça teatral que nos entusiasmava e dava alma para, na hora de ir ao encontro do inimigo nos esquecermos dele, e no momento do enfrentar ter mais força e ânimo de o combater.
E tudo isto, que não foi pouca coisa, graças ao garoto reguila fadista que habitava no corpo de Soldado do Mouraria. 

CAMINHADA APEADA EM DIRECÇÃO A ZALA
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Lá vai o eléctrico às voltas
Segue chiando no seu carril
Leva um menino às costas
Segue, segue vai p'ro Chile

E o eléctico chia e rola, rola
Com o menino pendurado
Vai pró Chile, e não prá escola
E o menino foi p'ra Soldado

E o Soldado menino foi prá guerra
Com arma, balas, capacete, cantil
E o menino que o Soldado encerra
gritou, "segue, segue vai pró Chile"

Ó Soldado reguila, puto rufia
Do bairro pobre, tua moldura,
Que te legou nome "Mouraria"
E tu a nós um poema em Figura.

José Neves
Lisboa, 1997

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2 comentários:

  1. Bom dia.
    Sou um familiar do Soldado Manuel Reis Ferreira, que serviu no Batalhão 149 que na operação Viriato rumou a Nabungongo. Alguém se lembra dele?
    Era condutor de um carro de combate.

    Gostaria de servir de ponte entre o que com ele serviram e ele, uma vez que já se encontra algo debilitado.
    Abraço do sobrinho desse Camarada dos Dragões de Angola.

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  2. Caro José Lopes,
    O seu tio, pelo que relata, fez parte do Pelotão dos Dragões de Luanda que sob o Comando do então Alferes Barão da Cunha esteve adido ao Esq.149 e combateu ao nosso lado desde Ambriz a Nambuangongo durante 16 dias sob perigo constante de vida ou morte.
    Em 2011 fizemos a nossa confraternização anual em Lanceiros 2, na Ajuda, Lx. e esteve connosco o coronel Barão da Cunha e vários militares desse heróico Pelotão dos Dragões do qual o seu tio foi, pelo que diz, condutor de Panhard.
    Penso que, se pesquisar na net "barãodacunha" encontrará algum sítio onde possa dialogar com o Coronel Barão da Cunha, então Alferes, pois é ele com o seu pessoal desse célebre Pelotão que organizam as suas confraternizações habituais.
    Cumprimentos e um abraço para o seu tio.

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