domingo, 12 de agosto de 2012

VIAGEM PARA AMBRIZ

No dia 20Jul1961, saímos da Fazenda Tentativa para a vila de Ambriz, capital do Concelho que, naquela altura, englobava Nambuangongo e era limitada a Norte pelo Rio Loge e seu afluente Lué, ao Sul por uma linha que segue de Oeste para Leste os Rios Tó, Onzo, Lifune e Dange, a Ocidente pelo Atlântico e a Oriente pelos Rios Suege e Luica, afluentes do Dange.
Situada no Distrito de Luanda, fica distante desta cerca de 200Kms e é a povoação mais setentrional do litoral angolano.
Foi Praça-Forte no tempo de navegações comerciais confirmada pela sua elegante Fortaleza de guarnição para defesa de soberania, rotas e trocas comerciais.
Possui um porto de mar por onde se escoavam a maior parte dos produtos agrícolas da região, nomeadamente o café, seu principal produto e maior riqueza de Angola nesse tempo.
Em Maio de 1961, em comum com toda a região Norte, foi atacada pelos rebeldes da UPA, mas a ofensiva inimiga foi repelida com êxito, mercê da brilhante actuação de um Pelotão de Artilharia, heroicamente apoiado pela população civil.


Na operação de deslocação da Fazenda Tentativa para Ambriz, ao 1º Pelotão foi atribuida a missão de carregar os grandes atrelados dos Jipões de Secção, com camas de ferro individuais, daquele tipo usado nas camaratas dos quartéis.
Abalando horas depois do grosso do Esquadrão, na hora da partida os condutores aceleraram o máximo que permitia a picada de terra batida e, grande parte, de um areão duro coberto de areia solta pela pressão dos pesados rodados militares.
Numa curva ligeira coberta dessa areia solta, devido ao peso bruto do atrelado carregado, talvez maior do que o Jipão e pessoal de uma Secção em cima, e também devido à ainda nula experiência dos condutores naquelas condições, deu-se o pressentido acidente.
Avisado várias vezes para os casos já sentidos de o Jipão ser abanado pelo vergastar do pesado atrelado atrás, numa curva aberta e fácil mas que fazia lomba, o atrelado acabou mesmo por tomar conta do Jipão e, numa vergastada mais forte, arrastou o conjunto para fora da picada onde ficou tudo virado, sem contudo emborcar.
Felizmente as bermas eram zona plana de capim. Todo o pessoal da Secção foi projectado ao largo sobre o capinzal e também as camas de ferro que sairam pela capota despedaçada. Ninguém ficou ferido ou aleijado apesar da violência da chicotada sobre a viatura. As armas dos militares foram projectadas a dezenas de metros e depois foram precisas mais horas na sua procura que demorou a reposição das viaturas na picada.
Como lição e para memória futura, um carregador de pistola-metralhadora ninguém encontrou mais e lá ficou perdido e enterrado no capim mas não em nosso peregrinar pela guerra. Foi mais uma das muitas lições neste início de guerra que, por conta própria, aprendemos a temer e respeitar no futuro.
Este episódio é, ainda e sobretudo, revelador do estado de impreparação geral perante aquela guerra. Tudo aconteceu porque, à ultima hora, foram consideradas necessárias as camas de ferro usadas na paz dos quartéis tradicionais. Afinal as camas ficaram no Ambriz e nós passámos meses a dormir nos assentos sobre as viaturas ou na terra dura sob as viaturas; as tais camas nunca foram precisas nem as vimos mais, tal como o carregador do acidente, foram aprendizagem de guerra, daquela guerra diferente.






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A sombra das velhas mangueiras de enormes
copas, onde estacionámos, foi um regálo,
um repouso idílico, um breve e belo interválo,
sob o Sol dourado quente e o ar fresco da praia
deserta, propícia a sonhos com amores longe
àlerta, e que nos davam de vaia,
prevenindo dos perigos, males, doenças e fomes
que ao longo dos afluentes e do Rio Dange
haveriam de ser mato
durante a grande operação Viriato.


Do livro "Esquadrão 149 - A Guerra e os Dias" de José Neves

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