sábado, 18 de agosto de 2012

AMBRIZ - QUIMBUMBE

A missão que nos fora atribuída pelo Comando do Sector 3 na Fazenda Tentativa, e então só revelada aos Oficiais, integrava a Operação "VIRIATO", cuja finalidade era a desobstrução do eixo que vai de Ambriz a Nambuangongo passando sucessivamente por Cavunga, Quimbumbe, Quimbumba, Casa Aberta, Bela Vista, Fazenda Matombe, Quimazangue, Zala e, finalmente o troço Zala-Nambuangongo, num percurso total de 180 Kms sempre em picada que, desde 15 de Março de 1961, nunca mais pisada por civis ou tropa.
Em Ambriz, tratou-se febrilmente dos preparativos para a "Grande Arrancada", como haveria de ficar conhecida em filme a partir das reportagens da equipa da RTP constituida pelo jornalista Neves da Costa e operador de imagem Serras Fernandes, que nos acompanharam em todo o percurso até Nambuangongo.
Fez-se o reconhecimento aéreo do terreno e uma operação experimental de reconhecimento com um pelotão do 149 e outro da Comp.ª de Artilharia nº 119, aquartelada em Ambriz desde Maio de 1961, conhecedora do terreno, que regressaram sem problemas pelo que elevou o moral e confianças das nossas tropas, as quais andavam receosas face aos comentários nefastos dos civis locais.

Às 6 horas de 25Jul1961, o 3º Pelotão reforçado com uma Secção de Sapadores, uma Secção de morteiro 8.1, uma Secção de lança-chamas e dois civis da região como guias, abriu as portas da guerra e iniciou a operação Viriato. Entrou em terreno do inimigo invisível, imprevisto e emboscado pronto a atacar e matar. O encontro e combate deu-se em Cavunga onde a informação previra um quartel da UPA comandada pelo célebre António Fernandes, antigo enfermeiro em Ambriz. Sofremos cinco feridos, um deles com alguma gravidade mas sem perigo de vida.
A nossa tropa regressou apreensiva e receosa do que lhe reservava tal operação, pois se, logo ao primeiro contacto com o inimigo, regressava com camaradas estendidos a escorrer sangue à vista.
Imprevisível, mas com mente de professor de estratégia e táctica da Academia aliada à sua natural intuição e pensamento de como lidar com tal guerra à lusitano Viriato de bate e foge(*), o Capitão Comandante, imediatamente ordenou que o mesmo Pelotão se refizesse e regressasse de novo ao mesmo local fazer a exploração do sucesso anterior consolidando a victória do combate e demonstrando ao inimigo que tinha pela frente uma tropa sem medo.
Após alguma controvérsia para convencer o Alferes Ribeiro de Carvalho, um dos mais jovens militares do Esquadrão e estudante de direito, sobre tal visão militar, este aceitou a decisão e cumpriu e executou integralmente a ideia militar e psicológica que o Comandante pretendia dar ao inimigo.
Foi ao Alferes Ribeiro de Carvalho que coube a heróica missão de abrir a porta da guerra, avançar directo ao inimigo e bater-se com ele sem ceder, apesar de iniciado e ter homens seus feridos a escorrer sangue à sua frente.
Além do recado deixado ao inimigo que estava perante uma tropa que procurava o confronto sem medo, o recado mais eficiente e moralizador foi para a própria tropa do Esquadrão que, sentiu a experiência viva de que pelo facto de ter havido um combate e feridos em dada situação e local não significa que haja sempre outro ataque igual estando as tropas na mesma posição. Os Soldados sobretudo, mas também os Alferes, Sargentos e Furriéis, sentiram que a guerra é, também e sobretudo, um estado de espírito e vontade geral de confrontar-se consigo próprio face ao inimigo que, sendo igualmente humano, está sujeito a estados de espírito diferentes e possíveis de mais apreensão e receio que os nossos.
A introdução dessa vantagem do estado de espírito, vontade e prontidão das tropas para enfrentar o combate é tarefa do Comandante. Isso ficou claramente provado com o episódio de Cavunga.

Face ao êxito do 3º Pelotão na sua segunda ida a Cavunga onde, depois de bater a zona do aquartelamento da UPA ali existente, recolheu algum material e documentação deixada no local pelo abandono apressado da posição até então estável.
Pela 05 horas da manhã de 26Jul61, o total do Esquadrão saiu do Ambriz em direcção ao Cavunga onde se reuniu com o 3º Pelotão às 08 horas.
Todo o Esquadrão reunido progrediu até Quimbumbe, após alguns ataques e fogos de capim ateados pelo inimigo. Aqui estabelecemos o acampamento e respectivos dispositivos defensivos da Tropa acampada.
Um episódio também revelador da inexperiência sobre aquela guerra foi, tal como as camas de ferro eram inadaptadas àquela guerra, e pelo contrário eram um obstáculo, e ainda bem que não as tivemos de carregar nem as vimos mais, também aqui, enquanto esperámos horas prontos sobre as viaturas pela partida definitiva do Ambriz, recebemos ordens, ora de carregar malas ora de descarregar malas, com as roupas e pertences pessoais.
Finalmente a ordem foi de deixar malas e levar a roupa imprescindível na mochila. Andámos dois meses sem o empecilho de malas, já nos bastava os constantes ataques e consequentes saltos imediatos e de roldão pelo jipão abaixo, o que com o jipão atafulhado de malas e bagagens, nos atrapalharia e tornaria alvos mais fáceis.
Só voltámos a ver as malas meses depois e após alguns banhos e lavagem de roupa, em pelo, nalguma paragem junto de rio ou ribeiro.

(*) - Uma das críticas que o Cap. Rui Abrantes fazia sobre a operação "Viriato", aquando das nossas conversas posteriores em momentos de confraternização do Esquadrão, era precisamente o facto do Comandante do Bat. 114 não ter sabido explorar a batalha travada em Anapasso, onde tivera vários mortos num ataque em massa do inimigo.
Se em vez de parar e se ficar acantonado a pedir reforços, tivesse reunido forças e avançado rapidamente sobre o inimigo não permitindo a sua reorganização, este, desbaratado, destroçado e desorientado face à derrota e perante dezenas de mortos nesse confronto, e dada a superioridade do armamento sobre o do inimigo, constatado nesse combate, o Bat. 114 teria chegado a Nambuangongo, sem parar, numa semana.

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1961, 26 de Julho, 5 horas da madrugada,
o Esquadrão estava disposto na picada
que ia para Cavunga, Quimbumbe, Zala.
Aguardava impaciente ordem definitiva de abalada
do Comandante Capitão.
Pois já se passara horas no carrega-mala, deixa-mala,
arranca-não-arranca, abala-não-abala
deixando a Tropa nervosa, que comenta e resmunga
àcerca do que se passara com o 3º Pelotão
enviado de novo para ocupar Cavunga,
depois de deixar os feridos ao cuidaddo dos Doutores.
Eram rumores, não houvera divergências no Comando,
fôra apenas acertos nos preparativos e na logística
segundo os Alferes que chegam e vão dando
ordem de preparar motores.
Por fim aparece o Capitão, sorridente e pronto,
confiante em pose histórico-militar-artística,
e como se estivera já em pedestal
levanta o braço e aponta ao encontro
do objectivo final.
Às 5 horas da madrugada, em ponto.

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Do livro "Esquadrão 149 - A Guerra e os Dias" de José Neves


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