quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

NATAL, NATAIS.

NATAL DE 1962

Nesse Natal longínquo de há 41 anos , o Esq. 149, a caminho do fim de Comissão em Angola, estava aquartelado em Bolongongo com pelotões nas povoações do Quiculungo e Terreiro e um pelotão destacado na Roça Rodrigues & Irmão, a cerca de 80 Kms e próximo da nascente do Rio Dange.

Nesta Roça para onde era destacada Tropa de protecção às pequenas Fazendas à volta, o perigo maior era a qualidade da àgua e os mosquitos: ao fim dos quinze dias de permanência da Tropa metade já estava tomado de paludismo, não obstante haver uma bomba-máquina para tratamento da água com "halozon".

Nesta zona acidentada de farta mata, muito afastada de povoações e sobretudo muito custosa para desmatar e fazer fazenda de café, pouco apetecida pelos grandes fazendeiros, foi o local possível a deportados do continente para demarcarem terreno e encetarem, de iniciativa e esforço próprios, a sua fazenda isolada do mundo além dos contratados vindos do Sul Bailundo. Escolhendo as suas mulheres de entre esses contratados, a prole para o trabalho doméstico e na mata de café crescia na medida dos pés de caféeiros.

José Neves no seu livro "Esq. 149 - A Guerra e os Dias" assinala esse facto assim, no poema " A Comer Terra e a Plantar":

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Assim nasceu, segundo reza a lenda,
a primitiva pequena fazenda
pelos condenados desordeiros
ao exílio p'rás terras do ultramar,
qual imitação de avós marinheiros
redimidos a comer mar e a remar,
eles se redimiram como fazendeiros
a comer terra e a plantar.

e no poema "Os Contratados":

Os contratados vinham do fundo
do mapa, país do povo Bailundo
das terras do fim do mundo sem fim,
sem nada saíam das secas e desertos
para durante dois anos completos
tratar do café, das matas e capim
a troco de quase nada de pilim
em angolar. Em cada roça havia
um rentável negócio montado
onde o bailundo era obrrigado
a comprar tudo o que a roça vendia
sem alternativa, que d'alí não saía
durante os dois anos de cativeiro.
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Seguem-se fotos desse Natal de 1962 passado, na Roça "Rodrigues & Irmão", pelo pessoal do 1º Pelotão, na altura destacado nesse local. Parte do almoço foi frango assado, obtido na Roça, e comido na marmita regado com a inseparável "cuca".


NA PICADA O JIPE QUE VEIO DE PROPÓSITO FAZER O REABASTEIMENTO DE RANCHO MELHORADO PARA ESSE DIA ESPECIAL DE NATAL.


Nesta altura de fim de ano, os contratados terminaram o seu contrato de dois anos e estavam de regresso às suas terras natal do Sul. Dias depois, em vésperas de abalada, fizeram uma festa ao seu uso e tradições , bem regado com vinho do "Puto" vendido na Roça e que era a sua perdição.
Dançaram e cantaram canções tradicionais bailundas imperceptíveis para branco, mas certamente adequadas à festa do regresso a casa. Provavelmente com a mesma alegria com que nós, Tropas, festejámos o nosso regresso a casa depois dos anos de Angola.

Uma dessa canções que eles cantaram enquanto andavam em fila indiana à roda do aldeamento da Roça, foi esta gravada na altura com um gravador monofónico comprado em Luanda, e que se pode ouvir aqui.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

DESONESTIDADES HISTÓRICAS

Jornal "lanceiro" Nº 27 - janeiro de 2007

MORTOS E FERIDOS NA OPERAÇÃO VIRIATO. REPOSIÇÃO DOS FACTOS.

No livro "Guerra Colonial" de Aniceto Afonso e Matos Gomes, no relato da tomada de Nambuangongo diz-se, escrito em caixa, a propósito dos feridos e baixas havidas por cada Unidade envolvida na referida operação "Viriato", que o Esqudrão 149 teve 7 feridos.
Se os autores quizessem ser historiadores sérios para escrever certa a história da tomada de Nambuangongo, tinham bastos elementos de registo a consultar para saber a verdade sobre o número exacto de baixas do Esquadrão 149.
Desde logo a morte do 2º Sargento Manuel de Sousa em Quimazangue, o qual está registado em filme "A Grande Arrancada" filmado pela equipa da RTP que nos acompanhou nesse percurso, Neves da Costa e Serras Fernandes, e é incluido na generalidade dos documentários que passam na TV sobre a Guerra Colonial. Outro documento escrito, imprescindível, para fazer a História do Esquadrão 149 é o livro do Ten. Mili. Médico Dr. João Alves Pimenta "História do E. Cav. 149 - Mais Faz Quem Quer Do Que Quem Pode", escrito durante os acontecimentos e editado ainda em Luanda em 1963, antes do embarque do Esquadrão.
Se os autores do referido livro "Guerra Colonial" tivessem o cuidado e dever histórico de consultar os documentos existentes indiscutíveis sobre o assunto ou actores testemunhos ainda vivos, não caíam no erro grosseiro de registar números que deturpam a memória futura sobre o Esq. 149 e também sobre a História da Guerra Colonial que travámos.
Teriam constatado facilmente que o Esquadrão até Nambuangongo teve 1 morto e 8 feridos entre eles três evacuados.

E muito importante, tinham oportunidade de conhecer uma boa lição de táctica militar aplicada sobre como enfrentar melhor a guerra de guerrilha, no seu estado de acção na altura, e que só o Comando do Esq. 149 intuiu, face ao estudo e análise da actuação do inimigo, e que logo empreendeu evitando com tal táctica mais feridos e baixas. Diz-se no livro do Dr. Alves Pimenta acima citado:
"Ao contrário do que aconteceu com as outras Unidades que progrediram em direcção a Nambuangongo (Bat. 96 e Bat. 114), que sofreram ataques em massa, o E.Cav. 149 não permitiu esses encontros. Foi das três, a Unidade mais rápida a progredir e, além disso, actuou no sistema de não criar hábitos que pudessem servir de referência ao inimigo. Nunca estacionou mais de três dias na mesma posição e iniciou a táctica da progressão nocturna". E prossegue: " o efeito de surpresa alcançado pelas acções realizadas contra o quartel de Cavunga (do inimigo), devem ter provocado não só desmoralização como não permitiram a sua organização eficaz".
De referir ainda que a progressão nocturna encetada não parava durante o dia: o Esq. passou a progredir continuamente noite e dia sem interrupção até Zala. E o mesmo fez de Zala para Nambuangongo e mais tarde em todas as operações em que participou.

A certificar a justeza destas palavras ditadas ao Dr. Pimenta pela experiência vivida, estão os acontecimentos passados menos de um mês apenas depois da tomada de Nambuangongo. Após um dia de descanso o Esq. 149 foi incumbido de desobstruir e ocupar a povoação de Quipedro, distante 75 Kms, onde permaneceu 24 dias estacionado. Nesse período de permanência acampada, imóvel, alvo estático, tivemos ataques e emboscadas consecutivas que originaram 2 mortos, dois feridos graves evacuados ( um cego e outro um joelho desfeito), e váris feridos ligeiros.
A prova dos nove da realidade descrita pelo Dr. Pimenta. O inimigo, neste caso teve todo o tempo para conhecer os nossos hábitos e rotinas de deslocações e movimentos de modo a preparar ataques com eficácia, dramática para a Nossa Tropa. Sobretudo a nossa necessária obrigatoriedade, sem alternativa, de ter de atravessar o Rio Lué a vau numa cova cercada de mata cerrada, altamente propícia aos ataques do inimigo que aproveitou bem, para nosso mal, tal situação favorável.

Recomenda-se aos autores do livro citado que sejam históricamente criteriosos e investiguem os dados e fontes irrefutéveis, ou testemunhos ainda ainda vivos dos episódios, para poderem relatar os factos tal como se deram e não como outros alheios aos acontecimentos os contam ou ficcionam. É que, constata-se a existência de erros semelhantes, a respeito do Esq. 149 na operação Viriato, em outros livros da responsabilidade dos mesmos autores. Iremos falar deles em seguida.

sábado, 5 de dezembro de 2009

149, OS DOCUMENTOS DE HEROICIDADE II

QUADRO DE HONHA
LOUVOURES
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OS/2 - QG/RMA, de 05Jan62.
O General Comandante da Região Militar de Angola, LOUVA o ESQUADRÃO DE CAVALARIA Nº 149. porque "tendo recebido, na operação «Viriato», uma missão identica à que foi atribuida a unidades de escalão superior (abertura de itinerários convergentes em Nambuangongo) conseguiu com os seus limitados meios e os reforços que lhe puderam ser fornecidos , alcançar um sucesso digno de maior admiração, porquanto atingiu Nambuangongo, pelo itinerário mais longo, apenas com o atrazo de 16 horas sobre a força que aí chegou primeiro, apesar de ter iniciado as operações dias depois."
E porque" Não menos brilhante foram as actuações desta unidade quando, após um dia de descanso em Nambuangongo, se lançou sobre Quipedro." E pela " colaboração que prestou, 15 dias mais tarde, na operação desencadeada na Pedre Verde, actuando sobre a linha narural de retirada do inimigo."
E porque "O número de baixas sofridas pelo E. CAV. 149 - 4 mortos e 40 feridos, dos quais 6 irrecuperáveis - é suficientemente expressivo e constitui o pesado tributo da glória que alcançou."




OS/2 - QG/RMA, de 05Jan62.
O General Comandante da Região Militar de Angola, LOUVA o Capitão de Cavalaria, RUI COELHO ABRANTES, Comandante do Esquadrão de Cavalaria nº 149, porque "...soube imprimir à sua Unidade - mercê do seu elevado moral, sangue frio, audácia, competência profissional, emergia e iniciativa que possui - uma mobilidade de tal forma exemplar que lhe permitiu com os reduzidos meios de que dispunha, surpreender o inimigo em todas as circunstâncias e manter o ritmo de progressão de que é fiel testemunho a fulgurante marcha que realizou sobre Nambuangongo em 16 dias".

























OS/14 - QG/RMA, de 16Fev62.

O Comandante Chefe das Forças Armadas de Angola, considera por sí conferido o Louvor da OS/2 - QG/RMA de 05Jan62, com a redacção seguinte:
LOUVADO o Capitão de Cavalaria, RUI COELHO ABRANTES, Comandante do ESQUADRÃO DE CAVALARIA Nº 149. ....


























OS/4 - ECav. 149, de 07Ago61.
LOUVO o Senhor Ten. Mil. Médico, JOÃO ALVES PIMENTA, porque... "aproveitou todos os momentos disponíveis para o tratamento dos doentes", e porque..."Registo também o seu temperamento calmo, destemido e decidido por forma a conseguir imediatamente socorrer os homens feridos", e porque... "deixo registado a qualidade fundamental do médico militar saber aliar a sua elevada competência profissional à noção exacta da missão a cumprir pela Unidade a que pertence".
























OS/8 - ecAV,149, DE 08sET61

LOUVO o Senhor Ten. Mil. Médico, JOÃO ALVES PIMENTA, "porque... trabalhou incansavelmente durante várias horas, sem se alimentar, afim de evitar o perigo de vida em que se encontrava uma das praças, operando-a e ministrando soro..."
























OS/10 - EcAV. 149, de 17Set61

LOUVO o Senhor Ten. Mil. Médico, JOÃO ALVES PIMENTA, porque "durante a operação de transposição do Rio Dange, demonstrou mais uma vez o seu elevado espírito de corpo, cooperando em todos os trabalhos realizados, aliando as sua qualidades militares ao prestígio angariado como médico durante o tempo que serve neste Esquadrão, por forma a conseguir um rendimento de trabalho difícil de igualar".
E porque "É um oficial exemplar, dotad de espírito de sacrifício inexcedível, com cultura digna de nota, e cujo prestígio ao fim de tão pouco tempo de serviço nesta Unidade é já de molde a merecer o reparo de quantos o rodeiam. Sente-se este comando orgulhoso por entre os seus oficiais, estar incluido um, cujas qualidades excedem em muito as habituais, não só
do ponto de vista técnico, como de virtudes militares."
























OS/60 - Com. Sect.3, de 19Mai62
OS/12 - ECav. 149, de 29Mai62
O Comandante do Sector Operacional nº 3, LOUVA: O Senhor Ten. Milº Médico, JOÃO ALVES PIMENTA, porque " nomeadamente na operação "VIRIATO" para a abertura do eixo Ambriz-Nambuangongo-Quipedro e operação "ESMERALDA" para a limpeza da região da PEDRA VERDE, demonstrou uma alta e heróica compreensão da grandeza do dever militar e da disciplina pelos acttos de rara abnegação , valentia e coragem que com grande sangue frio e serenidade praticou nas diversas situações de combate que teve de enfrentar." "Da sua decidida e enérgica atitude e notória acção do ponro de vista clínico, especificamente nas accções que ocorreram nas regiões de QUIMAZANGUE e QUIXICO, em que pôs bem em destaque aquelas virtudes, resultou uma confiança e prestígio tal entre os seus camaradas e subordinados, que muito contribuiram para o elevado moral do pessoal e bom êxito das operações da sua Unidade".
























OS/11 - QG/RMA, de 06Fev63

LOUVADO o ten. Mil. Médico, JOÃO ALVES PIMENTA porque "há mais de um ano no CONGO, se evidenciou um Oficial destemido", porque " Em QUIXICO foi notória a acção do Dr. Alves Pimenta" que " tratou ininterruptamente durante cerca de seis horas o soldado ferido mais gravemente, afim de lhe se possível salvar a vida..."
"Os serviços deste Oficial devem ser considerados relevantes e distintos."

























Justamente, estes dois Homens, o Capitão RUI ABRANTES e o DR. JOÃO ALVES PIMENTA, são considerados por todos que constituiram o corpo de pessoal do Esquadrão 149, os dois heróis maiores da nossa Unidade. E tal consideração foi estabelecida logo durante e passado que foi o comportamento do Esquadrão na operação Viriato(Nambuangongo), depois em Quipedro e Pedra Verde.
Neste caso último com o feito temerário e único da transposição do Rio Dange sobre uma jangada improvisada no local com paus arrancados da mata, tábuas e bibons velhos abandonados, e o Esquadrão completo, homens, equipamentos e GMC com 14 Ton., transpuseram o Rio sob a presença do inimigo, sem a mínima perda.
Tudo isso só foi possível devido à confiança determinada que os homens do Esquadrão depositavam no seu Comando, especialmente nestes dois heróis maiores que, cada um no seu mister, se conciliavam e completavam perfeitamente para alcançar o objectivo com êxito total .

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

DR. JOÃO ALVES PIMENTA V

DEPOIS DAS BALAS, DEPOIS DE... (x)

Depois das balas e carne rasgada
quem de pronto nos acudia?
Depois das feridas e estilhaços
quem de mão firme e armada
de garrotes, lancetas e cirurgia
sarava buracos, cosia pedaços?
Depois de meses de mato e mato
e perda mental quem nos protegia?
Depois da moral em baixo e fadiga
física das batidas, que mãos e trato
humano nos animava e nos valia,
nos devolvia a alma na mão amiga?
Depois d'afugentar mortes a lanceta
quem salvou vidas quase alminhas?
Depois de resgatar soldados à morte
quem foi noite fora dar à Mãe preta
menino preto, pretinhos e pretinhas
salvas por suas mãos saber e porte?
Depois de tanta guerra e tanto bem
distribuir, quem foi herói imparcial?
Depois de tanta vida e tanta luta
nobre a dar a mão e levantar recém
almas caídas, quem foi umbilical
cordão entre vida e morte em disputa?
Depois de tanta guerra e vida veloz
a zelar vidas, resta apenas o coval?
Depois do derradeiro combate
pode o céu levá-Lo, que para nós
será memória viva, que a Um Tal
Homem nenhuma morte há que o mate.


José Neves
Gorjões, 10.10.2007

(x) - Poema lido na confraternização anual do Esq. Cav.ª Nº 149
em homenagem ao Dr. João Alves Pimenta.
Évora em, 13.10.2007