segunda-feira, 9 de novembro de 2009

149, OS DOCUMENTOS DE SANGUE

OS SACRIFICIADOS

Quiz o regime da altura que, teimosamente foi rejeitando todas as possíveis iniciativas e ofertas de paz pelo diálogo, fossem enviadas à força e rapidamente Tropas em massa para preservar Angola, a jóia da corôa do que restava do Império Ultramarino, bárbara e ferozmente atacada em Março de 1961.

Mal preparados, metidos num terreno desconhecido e analfabetos acerca de guerra de guerrilha, só a nossa longa e histórica experiência de capacidade de adaptação e improvisação às dificuldades, aliada à clarividência do Comando, bravura e coragem dos nossos Soldados, valeu ao Esq. 149 não contar um maior número de baixas. Foi a decisão do Comando, após astuta análise do comportamento do inimigo nos primeiros dias de guerra, de avançar sem parar noite e dia sem estacionar, atacando e não deixar-se atacar, numa estratégia de antecipação, que impediu emboscadas e evitou mais feridos e baixas na nossa Tropa.

Mas a guerra caracteriza-se por ser o lugar onde se ensina a matar e numca a morrer, o lugar onde se ensina a matar para não ser morto. E metidos nela somos necessáriamente obrigados a praticar tal qual nos ensinam ou pagamos com a vida. Contudo o inimigo ensina o mesmo aos seus combatentes e então a guerra torna-se o lugar onde todos se defendem matando. O ensino da guerra apela ao homem primário e a prática da guerra leva ao comportamento por instinto.

Nesta luta de vida e morte feita institivamente é inevitável não surgir o estilhaçar dos corpos, o jorrar do sangue quente, o escapulir-se da vida pelos buracos das balas, das granadas dos acidentes, e o ser-se cadáver de repente.
Tanbém no Esq. 149 aconteceu e houve de tudo isso e, ao fim de três meses e depois de Nambuangongo, Quipedro e Quissacala (Pedra Verde), com travessia do rio Dange em jangada construida no local com paus, arames, lianas e bidons velhos, a Unidade tinha cinco baixas: três mortos e dois feridos graves evacuados. E ao fim de dezoito mêses tinha o Esquadrão 149 completado o seu contributo de sangue com uma funesta lista final de cinco mortos, dez feridos graves evacuados e tinta feridos ligeiros:

- Mortos,
2.º Sarg. de Cav. Manuel de Sousa
2.º Sarg. de Cav. Paulo António Neves Mota
Soldado nº 134/60, José Manuel Vicente Pires
Soldado nº 267/61, Joaquim Ferraz de Aguiar
Soldado nº 291/61, António de Oliveira Gaspar




Todos estes, heróicos tombados de guerra e contributo de vida em nome de valores patrióticos considerados correctos na altura, e com maior merecimento ainda se, puros simples e inocentes, lutaram e deram a vida enganados julgando bater-se por uma causa justa, estão inscritos e imortalizados na pedra do Memorial dos Combatentes.
A todos sem excepção podemos dizer, como Péricles, no elogio fúnebre aos primeiros mortos na guerra do Peleponeso:
"Por esta oferta das suas vidas, feita em comum por todos eles, cada um, individualmente, recebe o quinhão de fama que nunca envelhece e, por sepultura, não tanto aquela onde os seus restos mortais estão depositados, mas no mais nobre memorial, no qual a sua glória repousa, para ser eternamente lembrada em cada ocasião em que acontecimentos ou palavras propiciem a sua comemoração. É que os heróis têm a terra inteira como sepultura, e não apenas no território onde a coluna com o seu epitáfio os recorda".

- Feridos graves, evacuados,
Fur. Mil. de Cav. Waldemar Isaías Cabaço Milho
Fur. Mil. Cav. António maria Palhavã Rodrigues Pinto
Soldado nº 52/60, Victor Manuel Carigos Garcia
Soldado nº 92/60, Manuel da Fonseca Pestana
Soldado nº 255/60, José Manuel Ferreira
Soldado nº 65/61, Manuel de Jesus Moita
Soldado n 260/61, Manuel Carvalho dos Santos
Soldado nº 271/61, António Mendes Gomes
Soldado nº 273/61, Francisco C. Gonçalves
Soldado nº 280/61, António Maria Antunes

No livro "Esquadrão 149 - A guerra e os Dias", José Neves refere-se assim relativamente aos que não regressaram no poema "A Resposta do Céu".

Vencidos mortais paludismos,
febres, diarreias, terrorismos,
sedes, fomes, abatizes, ardis,
balas, canhangulus, estilhaços,
catanas, feridos e inchaços,
água podre dos cantis
enchidos nos charcos,
travessias de rios sem barcos,
matacanhas, mosquitos febris,
ravinas, morros, matas, capim,
terras de ninguém sem fim,
medos longos medos extremos,
medos frios medos quentes,
sobrevivemos,
somos os ex-combatentes.

E os caídos não sobreviventes,
os que foram e não voltaram,
os que deram cara e tombaram
os que apenas foram sementes
estéreis, infecundas,
os eleitos das injustiças,
os nomeados nas missas,
os esquecidos nas fundas
gavetas dos arquivos,
os registados a letras pretas
no mármore e nas cadernetas,
os que são lágrimas dos vivos,
os que são ossos, nomes, resumos,
os tombados indevidos,
os que são parada de abatidos,
os que são heróis póstumos?

Foram e ficaram terra e humus
dos imbondeiros,
foram heróis herdeiros
dos seus próprios consumos;
o Sousa caído com a arma na mão,
o Mota vítima do Diabo feito cão,
o Aguiar trespassado de lés-a-lés,
o Pires sangrando miolos no chão,
o Gaspar no Dange pasto de jacarés.
Na hora do regresso da Unidade
às cinco faltas à chamada
respondeu o Céu: «justificada,
são nossos hóspedes à eternidade
no Céu e na Terra serão saudade».


Se o homem é a medida de todas coisas, a guerra é a medida de prova do homem.


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