sábado, 22 de dezembro de 2012

ENCORAJAR A CORAGEM


No acampamento do dia 01Ago61 na Fazenda Matombe, o Comandante Rui Abrantes, já senhor de confiança total de seus Soldados, decide tomar nova medida de elevado brio e encorajamento militar à sua Tropa, Esquadrão 149. 
Nesse dia dá ordem de que nenhuma viatura do Esquadrão usasse qualquer tipo de blindagem de protecção de que tipo fosse. Quem pusera taipais de madeira ou chapa ou outro material como "blindagem militar" deveria imediatamente limpar as viaturas de tal empecilho para a visibilidade e mobilidade dos Soldados. 



Foi outra medida inovadora e exemplar face ao que se tornara prática geral nas Unidades que partiam para o mato na ZIN, Zona de Intervenção Norte.
Como toda medida contra-corrente, também esta suscitou reservas em alguns mais receosos que tinham implantado tal protecção por imitação do que tinham visto. 
Contudo o Capitão explicou que melhor que aquela "blindagem" abarracada era os Soldados terem boa visibilidade como prevenção e total mobilidade nos ataques do que estarem sujeitos a ficarem encurralados na viatura onde o inimigo lhes podia cair em cima. 
Isto acontecera com o Bat. Caç. 114 em Anapasso e o nosso Capitão, bom observador e estudioso militar, detinha-se nestes detalhes que eram de grande importância para a estratégia e encorajamento moral dos Soldados. 


O Capitão Comandante dava o exemplo no seu jipe

A coragem de um chefe quando aliada do estudo cuidado e bom senso constitui um exemplo determinante para os seu subordinados.
Uma coragem assim tem tudo para ser bem sucedida e, sendo bem sucedida, eleva a coragem dos que são sujeitos às medidas e tanto mais quanto constatam, na prática, a sua justeza.
Um Comando racionalmente corajoso eleva e encoraja, a todos os níveis, o moral e coragem individual dos Soldados e dá uma identidade especial à Unidade a que esses Soldados pertencem.


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

SOLDADO MOURARIA



O MOURARIA SENDO ENTREVISTADO PELO REPÓRTER DA RTP NEVES DA COSTA

O Mouraria tinha este nome de baptismo militar devido ao bairro lisboeta de sua naturalidade. Mas também esse baptismo não era indiferente ao seu comportamento e falas característicos desse bairro genuinamente típico de Lisboa. A sua atitude e reacção perante a guerra estavam-lhe moldados na alma pela sua pertença humana ao bairro onde mourejara desde criança a adulto. 
Passar de repente a ser militar apenas lhe introduziu obrigações que cumpria por imposição mas jamais por qualquer compreensão de ordem ou disciplina. O seu comportamento militar, ainda para mais o rígido comportamento militar cavaleiro, era nada para a sua inocência de garoto criado à solta nas ruas cheias de gente viva e atitude fadista. 

 MOURARIA A RECEBER TRATAMENTO MÉDICO DO DR. JOÃO PIMENTA EM PLENA PICADA

Dos cinco feridos ligeiros que tivemos durante a batalha de Zala um deles foi o Mouraria. O inimigo atacou com uma canhangulada sobre o jipão onde ia o Mouraria e feriu-o na boca e nariz e outros nas mãos e pernas contudo sem gravidade. O disparo fora feito de longe para o alcance daquela arma artesanal e os estilhaços de ferro, que no canhangulo substituiam as nossas balas, tiveram um impacto superficial. 


O DR. JOÃO PIMENTA A SER ENTREVISTADO APÓS RECOMPOR O NARIZ DO MOURARIA

Foi precisamente no arranque de Quimazangue para Zala que ao Mouraria lhe veio à mente as suas memórias de garoto pendurado nos eléctricos entre a Mouraria e o Chile. Quando a longa coluna de viaturas estava alinhada na picada para arrancar e o Comandante Abrantes deu ordem de marcha, o Mouraria desata a gritar sem parar, "segue, segue vai pró Chile" enquanto imitava o cobrador do eléctrico no gesto de puxar pelo cordão que fazia tocar campainha de arranque.
Tal grito e gesto aplicado no momento certo e instantaneamente adoptado e replicado em todas as viaturas ecoou um a um até à viatura da frente da coluna, e esta lançou o grito e o gesto para a rectaguarda enquanto arrancava lentamente.
Desde esse momento feliz nunca mais o Esquadrão, em qualquer operação, grande ou pequena, montada ou apeada, deixou de usar a voz de arranque "segue, segue vai pró Chile".
Este grito e gesto, usados sempre em todas as abaladas do aquartelamento ou cada vez que a coluna arrancava ou partia durante as operações, foi imediatamente adoptado pelo Comando e tornou-se uma voz de comando e um símbolo do Esquadrão que, como outros, o distinguiam. 
O som musical do "segue, segue vai pró Chile" aliado do gesto do puxar do cordão e o imitar do tocar da campainha, sugeria uma minúscula peça teatral que nos entusiasmava e dava alma para, na hora de ir ao encontro do inimigo nos esquecermos dele, e no momento do enfrentar ter mais força e ânimo de o combater.
E tudo isto, que não foi pouca coisa, graças ao garoto reguila fadista que habitava no corpo de Soldado do Mouraria. 

CAMINHADA APEADA EM DIRECÇÃO A ZALA
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Lá vai o eléctrico às voltas
Segue chiando no seu carril
Leva um menino às costas
Segue, segue vai p'ro Chile

E o eléctico chia e rola, rola
Com o menino pendurado
Vai pró Chile, e não prá escola
E o menino foi p'ra Soldado

E o Soldado menino foi prá guerra
Com arma, balas, capacete, cantil
E o menino que o Soldado encerra
gritou, "segue, segue vai pró Chile"

Ó Soldado reguila, puto rufia
Do bairro pobre, tua moldura,
Que te legou nome "Mouraria"
E tu a nós um poema em Figura.

José Neves
Lisboa, 1997

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terça-feira, 4 de dezembro de 2012

ZALA, BATALHA FINAL




A 5Ago1961, com base no aquartelamento de Quimazangue, desde madrugada fizeram-se duas surtidas com efectivo de Pelotão reforçado, em direcção a Zala. Embora com o apoio das viaturas a progressão fazia-se a pé muito lenta e cautelosamente com prévio reconhecimento por tiro das margens da mata, naquele local muito densa.
Destas incursões para testar o inimigo e desbravar caminho, a nossa Tropa sofreu vários ataques dos quais resultaram 5 feridos sem gravidade.


A 6Ago1961, saída do Esquadrão completo de Quimazangue para o assalto definitivo a Zala. Novamente o inimigo, disposto nas matas ao longo das margens da picada, nos obrigou a fazer a progressão apeados ao lados das viaturas fazendo tiro de reconhecimento e prevenção quase ininterruptamente.
As viaturas blindadas do Dragões de Luanda abriam o caminho na frente. O Cap. Abrantes, de Uzi ao ombro e em estilo de passeio encenando uma exibição contra o medo dava o exemplo aos Soldados, seguia pelo meio da picada incitando e encorajando os Soldados e gritava para que entrassem dentro da mata, destroçassem o inimigo e o perseguissem.     
O inimigo teve de recuar para o interior da mata impossibilitado de atacar das margens da picada com os canhangulos. Flagelaram a nossa Tropa do alto dos morros afastados com algumas armas automáticas. Nesta batalha ouviram-se mais que em outras o "cantar" das FBP que o inimigo havia tomado em Março nos Postos Administrativos e que nós já conhecíamos de cor mal soavam.
Desta batalha foram avistados elementos do inimigo em fuga e, posteriormente foram confirmadas baixas no inimigo.



Ao cair da noite o inimigo, impotente para nos travar, havia desistido do combate e a nossa Tropa pode ocupar Zala à vontade onde estabelecemos novo acampamento geral.


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A nossa Tropa avançava a pé ao lado das viaturas
à velocidade de poucos metros por hora,
pela picada estreita na mata cerrada, que não deixava ver de fora
para dentro, nada, além de sombras e manchas escuras
o que intimidava os Soldados, tanto como o intenso tiroteio
e as balas, que vindas de todos os lados, zumbiam rente ao ouvido.
Até que o Capitão, vindo de trás para a frente e pelo meio
da coluna, Uzi às costas, óculos, capacete, aprumado e bem vestido
gritou aos Soldados, alto, forte e feio, como uma besta,
que entrassem na mata adentro, vinte ou trinta metros,
para evitarem que a tropa inimiga, os pretos,
nos atacassem de perto, na orla da floresta.
Ordem imediatamente aceite e cumprida pelos Soldados
e que se mostrou acertada e deu bons resultados,
pois logo se viram, entre duas matas, numa clareira,
vários inimigos de armas na mão, fugindo na carreira.


Do livro "Esquadrão 149-A Guerra e os Dias" de José Neves.

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