segunda-feira, 16 de setembro de 2024

HOMENAGEM AO COMANDANTE ESQUADRÃO Nº149, 1961-1963 ANGOLA, CAP. CAV.ª RUI COELHO ABRANTES

 

 

1. OEIRAS 21 DE AGOSTO 2024

 


 



 

Estiveram presentes:

D. Lourdes Abrantes, esposa do Cap. Abrantes e familiares

Os Snrs. Carlos Gaspar e o porta estandarte do Núcleo de Ex-Combatentes de Oeiras

O Ex-Combatente em Moçambique Domingos Ferreira


2. O Ex-Furriel Mil. Adolfo Contreiras leu, a propósito, o seguinte texto publicado em 10 de maio de 2007 no seu Blog APCGORJEIOS:

 

ASPECTOS DA TOMADA DE NAMBUANGONGO

Segundo Tito Lívio, após a vitória de Canas, Maárbal comandante da cavalaria, voltou-se para Aníbal e disse-lhe: "É indispensável que tires deste triunfo todas as consequências, que dele devem decorrer. Dentro de poucos dias deves jantar no Capitólio. Entendo que deves seguir quanto antes, eu te precederei com a cavalaria, de sorte que os Romanos venham a saber da minha chegada, antes de terem tido notícia da minha partida".
Aníbal recusou invocando tempo para meditar e refletir acerca da marcha sobre Roma.
Maárbal retorquiu: "Sabes vencer, Aníbal, mas não sabes aproveitar-te da vitória".

Em Julho-Agosto de 1961, em Angola, dos três Comandantes de forças militares empenhadas na tomada de Nambuangongo, apenas um teve a visão do general Maárbal e por coincidência também era o Comandante da coluna de cavalaria, o Esquadrão 149.

Ainda antes da grande arrancada do Esquadrão do Ambriz, foi enviado, em exploração do terreno, um pelotão que foi atacado no Cavunga a 53 kms e regressou de noite, temeroso e aflito, com alguns feridos ligeiros. Imediatamente, o Comandante, perante a perplexidade dos oficiais deu ordem para o mesmo pelotão se preparar e avançar de novo para explorar a vitória do Cavunga sem dar tempo à recomposição defensiva do inimigo.

Este episódio deu discussão acesa entre Comandante e Alferes que atrasou horas o arranque do Esquadrão e foi motivo de duradoura discórdia entre ambos, embora o Alferes reconheça hoje a razão e justeza militar do sacrifício pedido, face ao sinal que tal ato arrojado representava quer para o inimigo quer para o interior da Unidade. Hoje o Alferes pode orgulhar-se de ter sido o primeiro a passar as portas da guerra, com feridos mas com sucesso e homens receosos mas confiantes combatentes já iniciados no fogo de combate.  

Já houvera precedentes mas este foi o sinal claro da estratégia geral que estava na cabeça do Comandante e um aviso inequívoco de atuação futura dado a todos os oficiais, sargentos e praças sob seu comando. A surpresa era a tática diária, explorar em força cada vitória era a estratégia geral até ao objetivo final. Em Quimbunbe, após um segundo acampamento e analisada a atuação, forças e armamento do inimigo, o Comandante decide avançar de noite e dia sem parar, exatamente no sentido de chegar junto do inimigo antes que este soubesse da sua partida. E sobretudo estar sempre pronto a carregar sobre o inimigo e fazê-lo recuar mesmo que este infligisse feridos e mortos como aconteceu na batalha de Zala. Com tal rapidez e força de pressão contínua não foi possível ao inimigo colocar mais abatizes e alçapões na picada e de noite tornou-se inofensivo. 

Constatado o sucesso prático do uso da estratégia definida, após um dia em Zala para hastear bandeira, com parada a rigor de Soldados sujos e sorridentes, rotos e ratos de guerra, no Posto Administrativo local, o Comandante quer impor a marcha imediata para Nambuangongo, mas aqui a voz dos subalternos foi mais forte devido aos feridos, à fadiga geral e sobretudo à falta de munições. O Comandante pensou arrancar com as condições existentes e uma força menor desde que pudesse contar com o pelotão adido de blindados ligeiros dos Dragões de Luanda, mas este não aderiu e o Esquadrão ficou em Zala outro dia para ser reabastecido por via aérea através duma pista de terra capinada no momento. Na arrancada final de Zala para Nambuangongo manteve a mesma determinação de fazer a caminhada de noite e dia sem parar e foi confirmado o facto de que o inimigo estava impotente e sentia-se batido pois limitou-se a observar de longe a nossa progressão sem intervir.   

O Esquadrão 149 não foi o primeiro a jantar em Nambuangongo, tomou o pequeno almoço depois do jantar do Batalhão 96, mas, também, esta Unidade havia iniciado a operação dias antes e desobstruíra um percurso mais curto. E foi notório e sentido pela tropa das duas Unidades em marcha sobre o objetivo final, que o Estado Maior da Operação Viriato se serviu da atuação fulgurante do Esquadrão 149, estimulando a competitividade para ser primeiro e obter os louros da conquista, às tropas mais próximas e assim atingir em tempo útil o objetivo militar que correspondia ao objetivo político da altura*.

Por natureza própria ou por conhecimento e estudo, o Comandante Capitão Rui Abrantes, professor de tática na Academia Militar, demonstrou na prática ter as qualidades e visão estratégica do grande Maárbal, pela lucidez em analisar as potencialidades próprias e do inimigo, pela argúcia, sagueza e capacidade estratégica, pelo comportamento exemplar na frente de combate, pelo respeito militar e humano quer frente aos seus homens quer perante o adversário, desde o primeiro dia conquistou a disposição e entrega total dos seus Soldados face a qualquer situação. E todos confiaram e corresponderam tão pronto, decidida e abnegadamente sob constante perigo de vida, que os regressados ilesos se sentem heróis vivos resgatados da companhia dos heróis feridos e mortos em combate, pela conduta, coragem e moral impostos, desde a primeira hora pelo comando do Esquadrão.

Comando esse, especial e militarmente protagonizado exemplarmente por esse grande Cabo Militar que foi o Cap. Cav. Rui Coelho Abrantes, hoje, e aqui, homenageado pelos militares seus subordinados ainda vivos.

A ele, o nosso muito obrigado, com saudade.


* Naqueles dias debatia-se na ONU a questão de Angola e era urgente um argumento forte como o de total libertação do norte de Angola do domínio da UPA.

 

sábado, 14 de setembro de 2024

ESQ. 149 - ENCONTRO DE CONFRATERNIZAÇÃO 2024



 CLICAR NA IMAGEM PARA VER EM TAMANHO GRANDE

 

Mais um ano mais um novo encontro dos camaradas combatentes do nosso inigualável Esquadrão nº 149 em Angola entre 1961 e 1963.

Vamos novamente encontrarmos, vermo-nos, falarmos uns com os outros e trocarmos as nossas histórias da guerra que as há muitas e fantásticas e que ficaram para sempre gravadas em nossas memórias. Vamos lembrar e homenagear os nossos tombados em combate e todos que entretanto deixaram a nossa companhia mas também nos deixaram o dever de camaradagem de os lembrar e reconhecer. Afinal todos, de algum modo, contribuíram para a nossa defesa e memória comum que comemoramos nestes encontros.   




quarta-feira, 4 de setembro de 2024

HOMENAGEM AOS MORTOS EM COMBATE - MANTER VIVA A MEMÓRIA


1. AS PLACAS
 

 



 

 2. MANTER VIVA A MEMÓRIA 

Têm os povos todos uma história própria

que de muitos é desconhecida e ignorada

por falta de inscrição ou inscrição errada

em suportes frágeis para original ou cópia.

Aos vindouros dói a memória apagada,

que vestígios não são marca registada

de feitos valorosos ou cometimentos

atrevidos de coragem, à guerra inerentes.

À guerra inútil travada por inocentes

de repente, limpos e de pecados isentos,

foram embarcados sujeitos à má sorte  

da guerra sob o vil dilema: vida ou morte.

 

3. DE INÍCIO FOI...

De início foi a homenagem merecida e devida, realizada em 31.08.2019 no Cemitério do Alto de São João em Lisboa, ao nosso camarada Joaquim Ferraz de Aguiar, Soldado 267/61 do nosso glorioso Esquadrão de Cav. 149 tombado em combate na frente da coluna junto do Rio Lué em 31.08.1961 pelas 18H00. Este ato de homenagem está, também, registado neste blog na data da realização. Imediatamente, a ideia do dever fazer o mesmo com os demais camaradas mortos em combate junto de nós, não mais saiu de nosso pensamento. Vieram os anos de recolhimento, isolamento e apagamento social devido ao "covid", contudo, a ideia não se apagou de nosso pensamento. O nosso Comandante Coronel Ruben de Almeida Mendes Domingues que foi o primeiro, após a homenagem ao Aguiar, a questionar; "e agora? e os outros? Não temos de fazer o mesmo?". Logo todos presentes concordámos com a proposta de fazer igual homenagem a todos os tombados em combate do Esq. 149. Também, de imediato, o nosso Comandante propôs-se colaborar e, assim, formou-se uma equipa para as "Homenagens Aos Mortos" formada por:

Cor. Cav. Ruben Domingues

Fur. Mil. Cav. Adolfo Pinto Contreiras

1º Cabo Cav. 106/61 José Botas Cardona                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       É esta equipa para as Homenagens que desde o princípio deste ano de 2024 trabalhou assiduamente no sentido de realizar as homenagens aos restantes quatro mortos do Esquadrão. Nos contactos realizados com as Juntas de Freguesia onde restam sepultados os corpos dos nossos mortos, afim de dar conhecimento e legalizar o ato de homenagem com colocação de uma placa em latão gravado alusiva ao facto, depara-mo-nos com uma genuína vontade de colaborar com a nossa intenção; de imediato o Presidente da Junta de Freguesia da Aldeia de Caçarelhos, Vimioso, Professor Licínio Ramos Martins não só concordou como nos informou que iria incluir a nossa homenagem na festa anual a S. Pedro, padroeiro da Aldeia. Deste modo a data de 29.06.2024 ficou registada para estar no Vimioso à hora marcada e as restantes foram estabelecidas em datas anteriores, pois, queríamos realizar as quatro homenagens de seguida.     

A partir desta data, em retrocesso, organizámos um plano de viagens aos locais das previstas homenagens, a partir da casa do Cardona em Alter do Chão, assim:

Dia 23 de julho de 2024: - Encontro em Alter do Chão: 

Dia 24de julho de 2024 - Homenagem 2º Srg. Paulo António Neves Mota em Elvas: 

Dia 26 de julho de 2024 - Homenagem Soldado 291/61, António Oliveira Gaspar em Parceiros da Igreja, Torres Novas: 

Dia 27 de julho de 2024 - Homenagem 2º Srg. Manuel de Sousa em Évora de Alcobaça, Alcobaça

Dia 29 de julho de 2024 - Homenagem ao Soldado raso José Manuel Vicente Pires em Caçarelhos, Vimioso: 

Dia 30 de julho de 2024 - Regresso a Alter do Chão.

Cumpriu este programa à risca o Fur. Mil. Contreiras e o 1º Cabo Cardona face à impossibilidade física do Comandante Cor. Ruben Domingues.

 

4. ELVAS - 24.06.2024

HOMENAGEM 2º SARG. CAVALARIA ANTÓNIO NEVES MOTA

                                                                                                                   

 
 
 
 
O Fur. Mil. Adolfo Contreiras do Esq. 149 leu o seguinte texto acerca desta homenagem.
 
Exma. Senhora Dra. Anabela Cartas, Vice-Predidente da CME
Exmo. Senhor José Miguêns Presidente do Núcleo de Ex-Combatentes de Elvas 

Os nossos sentidos agradecimentos e gratidão pela vossa bondade e disponibilidade para estarem presentes nesta singela homenagem, contudo, de elevado sentido de reconhecimento e memória para com os militares tombados em combate na guerra colonial.
Nós, os seus camaradas do Esq. 149, logo após a sua morte, só pudemos no dia seguinte dar-lhe uma morada no acampamento do mato à sombra de algum indiferente imbondeiro local, mas nem por isso  deixámos de lhe dar um funeral cristão e prestar-lhe as devidas honras militares.
Para os militares vivos do Esq. 149 a guerra continuou igual como antes e a luta pela sobrevivência durante mais vinte e oito meses e quatro baixas e muitos feridos, inevitavelmente, fez esquecer mas não matar a memória dos nossos tombados em combate. Tanto mais que, no pós-guerra, outra guerra tivemos de enfrentar no mundo de constante luta civil pelo trabalho e bem-estar familiar.   
Não obstante, em todas as nossas reuniões de comemoração anual do nosso regresso da guerra todos os nossos heróis mortos em combate eram lembrados e celebrados na respetiva homilia religiosa especialmente a eles dedicada.
Faltava, contudo, dar uma direção, um endereço, uma referência familiar-militar à suas últimas moradas, completar as suas identidades com as suas últimas famílias de vida em comunidade. Faltava, juntar de novo, o 2º Sarg. Mota aos seus derradeiros camaradas de armas que com ele conviveram.
E faltava que os seus camaradas de armas e de guerra viessem aqui, junto dele, prestar-lhe a devida homenagem ao herói que tombou em combate em sua defesa. 
E, logo, que soubemos da sua morada definitiva aqui quisemos vir fazer-lhe companhia e aqui estamos e, de algum modo, também aqui iremos ficar com o camarada morto por mediação desta memória viva que representa a presente placa de homenagem.
Com esta placa-lápide restituímos ao nosso herói o seu endereço militar que, tal como é para nós, também será para ele um orgulho voltar a pertencer à família deste glorioso Esquadrão 149.
Com esta homenagem à memória do 2º Sarg. Mota cumprimos um dever em falta e, igualmente, é também para nós uma honra e um orgulho enorme voltar a estarmos junto do nosso herói tombado em combate.
Herói morto que, uma vez aqui imortalizado na pedra desta campa e no bronze desta placa, vai continuar, a partir de agora, a conviver com os vindouros.
Ele e nós geminados estaremos, desde agora, junto deles escutando-os.
 
 
5. PARCEIROS DA IGREJA, TORRES NOVAS - 26.06.2024
HOMENAGEM AO SOLDADO ATIRADOR DE CAVALARIA nº 291/61 LUÍS DE OLIVEIRA GASPAR             
 
 

 

 



Estiveram presentes,

O Presidente da Junta de Freguesia de Parceiros da Igreja

O representante da CMTN

O Presidente do Núcleo de Ex-Combatentes de Torres Novas, o portador do Pendor e outros.

 

Por fim, foi lido o mesmo texto que transcrevemos acima relativo ao 2º Srg. Mota em Elvas.

 

6. ÉVORA DE ALCOBAÇA, ALCOBAÇA - 27.07.2024

HOMENAGEM AO 2º SRG. CAVALARIA MANUEL DE SOUSA  

 



Esteve presente o Senhor Manuel Delgado da Silva, Combatente membro do Núcleo de Ex-Combatentes de Alcobaça.


7. CAÇARELHOS, VIMIOSO - 29-07.2024

HOMENAGEM AO SOLDADO ATIRADOR DE CAVALARIA nº 134/60, JOSÉ MANUEL VICENTE PIRES

 











Esta homenagem ao Soldado nº 134/60, José Manuel Vicente Pires foi integrada na tradicional festa anual da Aldeia ao seu santo padroeiro, S.Pedro.
Estiveram presentes:
O Presidente da Junta de Freguesia de Caçarelhos Professor Licínio Ramos Martins
O representante do Presidente da Câmara Municipal do Vimioso
O povo da Aldeia de Caçarelhos incluindo a numerosa família do homenageado constituída de três irmãs ainda vivas e numerosos sobrinhos e sobrinhos netos do Soldado Pires.
 
Foram lidos três poemas do livro "Esquadrão 149, A Guerra e Os Dias" de 2003 de autoria do Fur. Mil. Adolfo Contreiras seu Comandante de Secção escritas, especialmente, em homenagem deste Soldado, Homem de carácter íntegro que foi herói por nada.   
 
Pelo Fur. Mil. Adolfo Contreiras foi lido o seguinte poema:
 
1. Poema "FINAL TRÁGICO"
 
Palmilhámos trilhos e carreiros,
indícios, pegadas, cheiros,
rastos, sinais, mata, capim,
à procura dos invisíveis atacantes
que perto d'ali, pouco distantes,
nos aguardavam feitos Caim.
Levanta-se um espesso nevoeiro
quando se viu o Sol no ar, inteiro
batendo em cheio nas miríadas
de gotas, reflectia raios de luz 
cruzados que nos ofusca e induz
a ter visões distorcidas.
Visões mais viradas para dentro
que p'ra fora, naquele momento.
 
Da Roça pedem à Tropa que fique 
até que o nevoeiro se dissipe
e tenhamos melhor visibilidade
para um regresso mais seguro.
Obra do Diabo a enganar o futuro
de alguém com uma fatalidade 
já ensaiada p'la segunda vez 
em apenas metade de um mês.
À terceira Satanás deu a sua ajuda
lançando poeiras de nevoeiros
de modo a ficarmos prisioneiros
dele e com isso nos iluda.
Ó rei dos diabos, vil, cruel, reles
porque enganaste a nós e não a eles?
 
No momento que estava saindo
da Roça a Tropa, o dia pôs-se lindo, 
brilhava o Sol fora-se o nevoeiro,
cheirava o ar, a terra e a floresta,
o ambiente era de alegria e festa
no jipão a caminho do 'carneiro'.
Numa longa reta em sobe e desce
de repente tudo acontece,
quando um disparo seco rebenta
e uma bala errada dum tiro certeiro
mata o José Manuel Pires, barbeiro
e Soldado raso nº 134/60.
Maldita hora, maldita bala, maldito acaso
que matou os sonhos a este Soldado Raso. 

 
 
De seguida foi lido pela familiar do Soldado Pires, Sónia Alves o segundo poema:

2º Poema "A TERRÍVEL TROCA"
 
Bala errada d'um tiro certeiro,
tiro certeiro de uma bala errada,
bala direita a outro apontada,
tiro torto e traiçoeiro,
bala do seu alvo desviada,
tiro ao alto pelo rolar do jipão
à velocidade do regresso,
bala dirigida ao donos desta mão
tiro traidor, a tua pouca precisão
levou o amigo e deixou este verso.
 
Bala certeira de errado tiro torto,
tiro emboscado à nossa coca,
bala traidora d'uma terrível troca,
tiro de matar a mim e não o morto,
bala da triste morte que provoca,
tiro da má memória e sem perdão,
sem perdão e sem preço,
bala para matar o dono desta mão,
tiro que te deixou a ti no pó do chão
e a mim vivo para te deixar este verso.
 
Ó tiro maldito que ainda hoje se repercute
vivo, incandescente na visão e no ouvido,
deste que sabe que fora o alvo pretendido
mas não sabe a quem a tua morte impute,
se ao princípio que começa em D.Henrique
ou ao fim que acaba em Salazar e sua clique.
 
 
De seguida foi lido o 3º poema por Délia Contreiras, namorada, madrinha de guerra e esposa do Fur. Mil. Contreiras. 
 
3º Poema "SOLDADO PIRES" 

Mais uma vez o nosso Ten.Mil.Dr. João
valorizando o militar e sua profissão
fez que um helicóptero evacuasse,
à sua ordem, o Soldado raso morto
contra a vontade do piloto, um torto,
que queria que o corpo ali ficasse.
Claro que o Dr. sabia perfeitamente
que nunca mais estaria quente
aquele corpo de morte a arefecê-lo.
Também os nossos olhos e sentires
sabiam que ao Soldado raso Pires
jamais olhos alguns iriam vê-lo.
A 9 de Julho de 1962, numa tosca caixa
atiraram-te à cova e registaram, 'baixa'.

No combate foste o atento Soldado Pires
esforçado de corpo e alma até caíres
naquele maldito dia do engano.
Desde então és um nome a tinta preta 
rabiscado nos livros e caderneta
por quem nem sabe se foste humano,
se exististe, se viveste, se amaste,
que sonhos tinhas quando tombaste,
se tiveste infância, brincaste no ribeiro,
se foste jovem sem nunca seres menino,
se foste rapaz de oficina não de ensino,
se foste adulto para ser homem e barbeiro,
se foste Soldado posto no meio da chama,
se foste à guerra e voltaste num telegrama.
 
Meu companheiro Soldado Pires,
este que ficou e te viu ires
em seu lugar ainda hoje estremece
de saber que tempo entre morte e vida
pode ser o de uma bala na corrida
ou o que nos enrruga e envelhece.
(ou será um Deus errante que cegou 
e que não sabe a quem o tempo trocou?)
40 anos após o tiro imerecido e vil
disparado por detrás daquela árvore
tens, numa fria placa de mármore,
anúncio fúnebre e incógnito entre 9000.
Morte inglória, és filho do velho vale
de lágrimas de que é feito Portugal.
 
Pelos alti-falantes foi escutado o toque militar de 'Finados' seguido do Hino Nacional cantado e sentido alto por todos os presentes.