Acerca do novo filme "Cartas da Guerra" de Ivo M. Ferreira sobre o
tema do livro de Lobo Antunes com o mesmo título Cristina Margato
escreveu um texto, que li no blog "Cadernos da Libânia" com o sugestivo
título "Dessa Guerra Tantas Vezes Silenciada" em que, a pretexto do
filme falava da falta de literatura e cinematografia relativamente à
guerra colonial onde expressa a opinião de que "Portugal prefere evitar
as feridas da guerra a enfrentá-las".
Depois, pelo texto fora cita Dacosta; “Havia uma má consciência, um grande preconceito e até quem dissesse que a guerra pertencia a um género literário menor.”, cita Manuel Alegre; “Ninguém
queria ouvir falar daquelas situações de isolamento, emboscada,
bombardeamento de napalm, cabeças cortadas”, cita Eduardo Lourenço para quem falta sobretudo o texto fundamental que deveria
pertencer aos atores desta história: “Não sabemos os problemas de
consciência que os atores tiveram. Sabemos que os tiveram. Só não
sabemos quais foram.”, depois cita José Gil; “O
salazarismo entranhou profundamente na história portuguesa algo que
passa pelo facto de o português não se querer reconhecer a si próprio
como responsável. Há uma culpabilização, que já aparece em Antero de
Quental, e que faz com que cada um de nós se sinta responsável mas que
ao mesmo tempo não aceite que alguém lhe diga que é responsável. O país é
uma choldra. Mas eu não sou a choldra.” Se se falou pouco sobre a
guerra, continua José Gil, é porque não temos a capacidade de nos
reconhecermos responsáveis por acontecimentos condenáveis: “Um povo
capaz de dizer ‘eu sou responsável’ é superior, para usar as palavras de
Nietzsche, mas aqui não houve essa grandeza.” Uma descolonização
relâmpago trouxe uma passagem de um estado a outro, sem a existência de
um ritual simbólico.
Por fim diz a autora do texto; Ivo
M. Ferreira e Edgar Medina não escondem que nunca foi sua intenção ir
além das cartas, ir além do universo de Lobo Antunes. “Essa seria outra
história. Pepetela, é curioso, estava do outro lado... Quem quiser pode
fazer o filme do outro lado”, diz Ivo M. Ferreira, enquanto Edgar Medina
acrescenta: “O facto de o Ivo não ter filmado o inimigo, não o ter
presente, e de ter posto aquele grupo de pessoas tão frágeis, no meio
daquele espaço tão imponente, perdido no meio do nada, acaba por ser uma
metáfora muito poderosa sobre a guerra colonial, o projeto imperial e
colonial português. Todo este absurdo, de se estar a travar uma guerra
fora de tempo, numa área que é 20 vezes o tamanho de Portugal, com um
exército diminuto.”
Os filósofos e psicólogos podem explicar, passadas dezenas
de anos, muito pensada e idealmente fundamentada, as razões porque
durante tanto tempo os combatentes mesmo, se fecharam em copas e
evitaram falar da sua passagem pela guerra.
O problema maior é,
como diz Eduardo Lourenço, a "falta do texto fundamental que deveria ser
escrito pelos actores", intérpretes da guerra no terreno. A RTP e
alguns outros fizeram várias tentativas para explicar a guerra e
contrariar o silêncio feito à volta do assunto guerra colonial, contudo,
nunca houve a ousadia de entrevistar em vida os Comandantes
Operacionais das grandes movimentações de tropas para registo de memória
futura e posterior tratamento histórico ou ficcionado. Pode dizer-se que
a má consciência acerca da guerra existia primeiro em quem tinha a
obrigação de fazer a catarse e limpar da cabeça dos combatentes e dos
portugueses essa má consciência.
Mas é preciso
lembrar, antes de mais, qual o fundamento original e principal do
nascimento dessa tão falada má consciência. Ainda antes do 25A os
intelectuais, a maioria dos que se exilaram lá
fora e tinham ligações fortes a meios informativos, fizeram sempre uma
campanha
ideológica a favor da bondade, coragem e heroicidade dos exilados e
contra os que iam combater, e combatiam e morriam, nas matas e picadas
africanas.
E,
dado que tal posição era justamente integrada na guerra política
interna contra Salazar e a ditadura que, já nesse tempo, a maioria do
povo português apoiava, tal combate ideológico contra a "guerra injusta" e
contra os combatentes que iam para África, foi incorporada no
pensamento dominante dos letrados e até nos meios de aldeias rurais onde
eram recrutados a grande maioria dos Soldados para o Ultramar.
Este
processo ideológico dominante culminou mal o 25A se consolidou com a
chegada ao poder, nos governos provisórios e institucionais, de uma
grande parte de figuras recrutadas, precisamente, no meio intelectual
dos exilados. De tal forma que o discurso dominante contra a guerra
quase parecia uma outra guerra dos heróis exilados pela sua coragem de
rejeitar a guerra contra os fracos que não ousaram recusar a guerra.
Esse
sentimento de culpa indevidamente atirado e colado à pele dos
combatentes,
humildes rurais analfabetos, "príncipes" chama-lhes Lobo Antunes, sem
alernativa de escape possível, fê-los
cegos, surdos e mudos acerca dessa guerra onde pensavam ter tido
comportamento corajoso e de grande fidelidade à cultura e religiosidade
familiar e, sobretudo, como militares de total lealdade aos seus
superiores comandantes e, desse modo, o sentimento genuíno de ter
cumprido inteiramente o que
lhes havia sido pedido como sacrifício em nome de Portugal.
Diz a autora do texto em análise que só agora, passado mais de meio século sobre os acontecimentos, começam os nossos
intelectuais a interessar-se pelas questões dos traumas da guerra
colonial. Na minha opinião porque o tempo parece ter apagado a 1ª
versão, à maneira dialéctica portuguesa, de quem foi mais corajoso, de quem foi mais herói, de quem esteve do lado certo, de quem foi mais quem.
Hoje
é mais consensual que, afinal,
todos deram o seu contributo para a tomada de consciência dos militares
de que era preciso parar a guerra. Não é por acaso que os autores do
filme dizem "quem quiser pode fazer o filme do outro lado" que, por
eles, farão apenas o filme das "cartas" sem outros lados de visão pois
que, certamente, consideram haver razões de todos os lados.
Espero que o filme, também reflita
e seja reflexo deste novo olhar sobre a guerra pois, caso contrário, só
estará a abrir velhas feridas.
Contudo, apesar de todas
as razões próprias assinaladas e fundamentadas pelos "exilistas" da
guerra só um dos lados tem a razão mais forte; a força do sangue. Só os
combatentes tombaram e derramaram o sangue sobre as picadas de África em
nome de Portugal.
Para a História dum povo nenhum valor é mais forte que o preço de sangue.