sábado, 8 de outubro de 2016

GUERRA COLONIAL OU GUERRA DO ULTRAMAR?: UMA TRETA.


 Por uma razão simples, eles fizeram-na e precisam, pela sua dignidade e identidade, que o seu esforço e risco não seja minimizado ou apoucado, pela parte que lhes cabe na condenação moral que tem a designação de guerra colonial.”

                    Pacheco Pereira in artigo de opinião "Bruxelas Quer..." com subtítulo                          "Guerra Colonial ou guerra do Ultramar?"


Também PP, a quem deu jeito a sua condição nobiliárquica para não ir à guerra nem Colonial nem do Ultramar, em sua opinião baseada em impressões de conversa com alguns combatentes e muita retórica feita de leituras de história, vem mostrar-se piedoso pelos que "fizeram-na e precisam, pela sua dignidade e identidade, que o seu esforço e risco não seja minimizado ou apoucado" .
Pois, digo-te eu Pacheco de experiência feita, que para os familiares e também para quem foi obrigado a correr perigo de vida permanente dia e noite sobre picadas, mato e capim durante dois anos pouco lhes diz chamar a guerra de “do Ultramar” como “de Colonial”. Nem a maioria dos Soldados e sobretudo os familiares, a grande maioria, pessoas analfabetas de aldeias rurais recôndidas são capazes de reconhecer a subtileza da diferença entre uma designação e outra para se acharem minimizadas ou apoucadas na sua participação na guerra.
Claro que para os “exilistas” a designação de “Colonial” tem um sentido de acordo com a sua condição de pessoas que se opuseram à guerra desertando para o exílio voluntário mas, para a quase totalidade dos Soldados que sofreram, obrigados aos perigos e horrores da guerra no mato, o que conta é precisamente esse tempo perdido em perigos de vida, perdido afastado dos seus familiares e amigos, das suas aldeias, seus ofícios, seus trabalhos e amores e, para muitos o sangue derramado e vidas perdidas, para nada.
Do que deveria pp nos falar é, precisamente, dessa questão que faz que ainda hoje os portugueses se recusem falar abertamente da guerra que viveram. Sobre esta questão de "mudez" de que tanto já falaram e falam os intelectuais escritores, historiadores, cineastas e artistas hoje em dia é que seria bom PP nos proporcionar o seu arguto pensamento. Ele, sobre tal, nada nos diz e apenas vem revelar o seu sentimento piedoso para com os "coitados" combatentes que precisam não ser apoucados ou menorizados porque foram combater na guerra imoral.
PP nada explica acerca dessa questão central que se tornou a grande discussão nacional. Mas eu vou dar uma ajuda para essa discussão.
É que ainda antes do 25A os intelectuais, a grande maioria dos exilados, dado as suas ligações políticas começaram a vender a ideia de que os verdadeiros corajosos seriam os que se recusaram fazer a guerra ao contrário dos combatentes que a aceitavam por falta de coragem. E depois do 25A alguns dos mesmos intelectuais exilados fizeram parte dos governos provisórios ou dominaram parte da imprensa e meios intelectuais onde reforçaram a ideia, tornando-a dominante, de que os heróis da guerra teriam sido os que recusaram participar nela. Tal situação fez que, quer os Soldados rurais anónimos quer os mais esclarecidos se “fechassem” nas suas recordações e opiniões até hoje. Também, talvez devido a essa tal opinião dominante de fraqueza moral dos combatentes, nunca nenhuma individualidade ou meio de comunicação se dignou entrevistar comandantes militares responsáveis pelas grandes operações no terreno que tanto teriam para dizer acerca da guerra, preferindo antes ficcionar uma ideia moral da guerra à própria guerra.
E chegámos a este ponto de se dizer que os portugueses receiam e não querem fazer a catarse da guerra que protagonizaram. Mas, sobretudo, o que eles não querem e temem realmente é que os façam, novamente, sentir-se culpados de terem participado nessa guerra injusta.
Apesar do realizador afirmar que ia fazer o “filme das Cartas” e outros que fizessem o filme do outro lado, temi sempre que não resistisse a fazer o filme do lado dos combatentes contra a guerra. Quero voltar a ver o filme novamente mas, do que vi em 1ª mão, pareceu-me que as cenas de guerra só estão lá para justificar as palavras do autor das cartas. E as cartas não falam do sofrimento dos combatentes na guerra mas, quase tão só, do sofrimento do autor pela ausência dos seus familiares e, contudo, também todos os Soldados tinham familiares e muitos mulheres e filhos e seus amores deixados nas suas aldeias.
E, mesmo sem saberem ler e escrever, enviaram e receberam milhões de aerogramas onde a guerra é retratada com dor sentida, cruamente sem choraminguices para efeitos literários.