sábado, 26 de janeiro de 2013

UMA "ESTÓRIA" MAL CONTADA


Cap. Rui Coelho Abrantes à frente do Esq. 149 formado em apresentar armas na parada do hastear da bandeira portuguesa em Zala.

CARTA ENVIADA À LIGA DOS COMBATENTES ACERCA DO TEXTO "CONQUISTA DE NAMBUANGONGO" UMA "ESTORIA" DA AUTORIA DO FURRIEL EDGAR SILVA PUBLICADA NA REVISTA DA LIGA DE DEZEMBRO DE 2012


Exmos. Senhores,
Caros Combatentes.

Um camarada meu do Esq. Cav. 149 chamou-me a atenção para a “Estória” contada e inscrita na Vossa Revista de Dezembro de 2012 com o heróico titulo de “Conquista de Nambuangongo”, da autoria de Edgar Silva.
É certo que o autor lhe chama “estória” pelo que nos informa à partida que vai contar uma ficção. Contudo o assunto histórico mesmo ficcionado tem de sustentar-se na realidade dos factos históricos e não em deturpações grosseiras desses factos. Não é, contudo, o que o autor faz  que mais parece escrever para se auto-elogiar permanentemente ao longo do texto e divertir-se com a guerra invocando-a para se exibir quase à maneira de António Lobo Antunes. 

O autor Furriel sem medo, começa logo no titulo por insinuar que esteve na “Conquista de Nambuangongo” mas, lendo o texto, constata-se que fez o percurso até Zala e esteve aqui acampado. Depois apenas informa que parte com a sua Unidade, penso que o Batalhão 158, para algures próximo de Carmona. Pelo menos não dos diz nada como, quando e com quem chegou a Nambuangongo, que distava ainda 44 Kms, nem refira quem lá estava quando lá chegou dado que, como é historicamente sabido, o Bat. 96 do Coronel Maçanita foi a primeira Unidade militar a entrar em Nambuangongo e lá permaneceu largos dias. O autor omite deliberadamente a sua chegada e como a Nambuangongo para evitar maior confronto com a realidade que sabe ser outra e contrária ao efeito que pretende tirar da sua “estória”.

É do conhecimento geral militar e histórico da guerra que na operação “Viriato”, relativa ao objectivo bem definido da tomada de Nambuangongo, tomaram parte 3 colunas militares por eixos diferentes: O Bat. 96, o Bat. 114 e o Esq. 149, este exactamente pelo eixo Ambriz-Zala-Nambuangongo. O Bat. 96 atingiu Nambuangongo às 17,00 horas de 9Ago61 e o Esq. 149 às 9,00 horas de 10Ago61. Mais nenhuma outra Unidade foi encarregada ou tomou directamente parte na tomada de Nambuangongo. O Comandante do Bat. 158, certamente, nunca podia ter informado os seus homens que a missão do seu Bat. era a tomada de Zala e Nambuangongo, como afirma Edgar Silva no seu texto. 
 
Mas o nosso Furriel conquistador sem medo, deturpa a realidade dos factos, também, quando afirma que a sua Unidade desobstruiu e tomou as povoações até Zala e conquistou esta povoação, importante sede de Posto Administrativo. Quem foi primeiro e travou todas as batalhas e tomou todas as povoações até Zala, incluindo esta e depois até Nambuangongo foi o Esq.149 que, esse sim, tinha a missão de desobstruir o caminho e retomar povoações até ao objectivo final, que era tomar e ocupar Nambuangongo.
 No terreno a missão do Bat.158 consistiu em ocupar as povoações tomadas pelo Esq.149 no seu percurso como Quimbumbe e depois Zala onde tropas do Bat. 158 ficaram instaladas para guarda dessas posições recuperadas e aí permaneceram depois do arranque do Esq. 149 para Nambuangongo pelas 18,00 horas do dia 8Ago61. Na véspera, dia 7Ago61 foi o Esq. 149 que formou em parada para hastear a bandeira portuguesa no Posto de Zala após a qual o  Comandante do Esq. 149, Cap. Rui Coelho Abrantes fez a entrega oficial da povoação à entidade administrativa competente, o Chefe de Posto de Zala.

Em Zala, na hora da partida para Nambuangongo, o Esq. 149 recebeu como reforço dois pelotões do Bat. 158 onde, eventualmente, estaria incluído Edgar Silva o que, nesse caso, dará um mínimo de verosimilhança à sua “estória”. Não é, contudo, sério, afirmar que a sua Unidade foi encarregada da missão de conquistar Nambuangongo e pelo caminho conquistou Zala e outras povoações, feito esse que apenas pertence ao Esq. 149. Igualmente, não é sério que, caso seja verdade que tenha chegado a Nambuangongo incluído como reforço e sob o comando do Esq.149, não só omita esse facto como insinue ser seu conquistador, feito que nem sequer coube ao Esq. 149 mas sim, como é conhecido, ao Bat. 96. Como reforço e Adidos ao Esq. 149 haviam Pelotões de Morteiros 81, de Artilharia com peças 88, de Sapadores da Compª. Engª. 123 e dos Dragões de Luanda equipados com blindados Panhard e nenhum seu elemento ousou ainda reivindicar para si, ou sua Unidade de origem, a conquista de Zala ou Nambuangongo. Publicar um texto com o título “Conquista de Nambuangongo” e depois falar apenas de si próprio atribuindo-se conquistas e feitos alheios, é de uma vaidade insuportável. 

Deixa-nos espantados que a Liga, que pretende ser um repositório fiel dos acontecimentos dos Exércitos portugueses nas várias guerras e especialmente na controversa Guerra Colonial, não tenha alguém conhecedor e competente para supervisionar os textos publicados nos seus documentos que a representam oficialmente.
Acho eu que, a Liga deve confirmar a veracidade dos acontecimentos relatados e impressos em documentos que só a si responsabilizam. Caso contrário, a História da Guerra feita pelos futuros historiadores com base em documentos sem rigor, acabará por ser uma História de dúvidas e logro: com relatos deturpados e falsos dos factos haverá amanhã Histórias da Guerra para todos os gostos e feitios. Como a “estória” pouco séria por vós publicada e aqui criticada, são hoje mato nos nossos media, onde cada um conta a sua “estória” da maneira mais conveniente e fácil para conseguir um auto-elogio sem a hombridade de respeitar a verdade dos factos.

E não seria difícil repor os factos da guerra tal como aconteceram dado que a maior parte dos participantes nela ainda são vivos e podem relatá-los de viva voz. Espanta-me que os Comandantes das operações de envergadura ou outras significativas, jamais tenham sido convidadas a depor. Ao contrário são sempre os jornalistas ou “estudiosos” que vão debater a Guerra sob uma perspectiva e interpretação literária ou psicológica que não tem nada a ver com os factos reais vividos pelos próprios. O Artur Agostinho, provavelmente ainda tremendo de medo, até comentou a Guerra e sobretudo a Batalha de Nambuangongo sob a perspectiva futebolística: avistou-a do alto dum avião e, claro, não ouviu tiros nem viu mortos e feridos e, claro também, viu nela o que era seu hábito e especialidade, um jogo de futebol envolvido de clubite. 

Por outro lado, penso, que a Liga tem relatos e documentos escritos e de imagem, fieis e credíveis, suficientes para poder fazer a análise histórica correcta sobre as “estórias” que alguém queira contar e mais não são que ficções auto-apologéticas. 

 Para constatação da verdade dos factos que acima referimos, pode a Liga consultar os seguintes documentos:
- Filme “A Grande Arrancada” da autoria dos repórteres da RTP Neves de Sousa e Serras Fernandes que acompanharam, filmaram e viveram com o Esq. 149 até Nambuangongo.
- O livro “História do Esquadrão de Cavalaria 149” da autoria do nosso Tenente Médico Dr. João Alves Pimenta, escrito durante a campanha e impresso ainda em Luanda em 1963.
- O livro “Esquadrão 149 – A Guerra e os Dias” da autoria de José Neves, Furriel do Esq. que relata os factos tal como os viveu e não por ouvir dizer.


Os nossos respeitosos cumprimentos,

Adolfo Contreiras

Furriel do Esq. 149
Gorjões, 24.01.2013



PS – Informamos que iremos publicar esta carta no blogue “Memória 149” que pretende relatar o percurso, missões e feitos do Esq. 149 em Angola entre 1961 – 1963 e que, precisamente, nesta altura está relatando a tomada de Zala.     
 

sábado, 5 de janeiro de 2013

TOMADA DE ZALA

A 6Ago61 fez-se a última arrancada para ocupação de Zala localidade com Posto Administrativo que foi atingida pelas 16 Horas.
O inimigo que se havia batido duramente até Quimazangue e nos fizera um morto e vários feridos, neste pequeno troço final quase não ofereceu resistencia e tinha abandonado a povoação com forte rasto de destruição do casario, como já se tornara habitual no inimigo.







A 7Ago61 o Esquadrão marchou em formatura geral até junto do Posto Administrativo para proceder ao hastear da bandeira portuguesa na presença do Chefe de Posto e de vários civis fazendeiros da região que nos acompanharam e nos serviram de guias pelo meandros e cruzamentos de picadas. 
Nesta cerimónia do hastear da bandeira o Comandante Abrantes, uma vez reconquistada a povoação, fez a entrega do Posto à entidade administrativa competente. 



Foi interessante verificar que, embora já destreinados e desligados dos exercícios de paradas e galas vistosas em aquartelamentos monumentais, os nossos Soldados marcharam garbosa e briosamente embora metidos nas suas fardas de combate já bastante suadas e gastas. 
Nesta parada não havia obrigação de fazer brilhar os amarelos nem a graxa das botas ou outra qualquer exigência para abrilhantar a cerimónia. Nem era necessária e o Comando preocupava-se muito pouco com simbolismos de parada e muito mais com simbolismos de coragem. 
O brilho militar forte estava na consciência do dever cumprido e reflectia-se nos olhos dos Soldados.
Foi uma parada num intervalo da guerra onde estavam presentes o sangue dos camaradas feridos e do morto recentes e o acto comemorava uma victória que significava o cabal cumprimento do dever perante o sangue já derramado sobre a picada até Zala.




Ainda na tarde de 7Ago61 continuaram as obras de improvisação de uma pista de aviação a partir de uma encosta de capinzal.
Com ferros, latas, catanas e algumas pás e enxadas existentes, todos se empenharam em capinar e alisar uma encosta de capim. Com esforço fez-se uma pista cheia de altos e buracos que na aterragem inaugural o Dornier mais parecia uma corça aos saltos e, não fora a perícia do piloto, certamente tinha-se virado às cambalhotas.
A alegria dos Soldados, ao verem o avião, um Dornier DO-27, finalmente parado e direito sobre as rodas, correram em bando felizes para o avião que trazia correio e víveres frescos.


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Ainda andava no ar o fumo e o intenso cheiro
da pólvora, após várias horas de tiroteio intenso
quando avistámos casas e num enorme e alto terreiro
acampámos para descanso do corpo,da alma e do imenso
medo e desgaste psíquico, provocado
durante tantas horas de fogo cruzado
que provocaram à nossa Tropa cinco feridos ligeiros
e várias baixas ao inimigo, a julgar pelos rastos vistos nos carreiros.
Contudo, na hora do dever cumprido e do descanso, ninguém se rala
com os feridos que estavam bem entregues ao Doutor e maqueiros
e, os restantes estavam felizes pela tomada de Zala.


Do livro "Esquadrão 149 - A Guerra e os Dias" de José Neves

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