quinta-feira, 18 de agosto de 2011

COMBATENTE, "EX-COMBATENTE"

Tornou-se predominante e por conseguinte vulgarizou-se o emprego de "ex-combatente" para designar quem foi militar e esteve envolvido em operações e combates no teatro da dita guerra colonial.
Porque meios racionais de pensamento se transformou o combatente em "ex-combatente"? Ou com que fim objectivo se procedeu, consciente ou inconscientemente, escrita e oralmente, a tal transformação?

Desde miúdo, com o meu pai e seus companheiros de guerra e trincheiras em La Lys, nas suas anuais festas comemorativas do 9 de Abril, me habituei a ouvir falar de combatentes sem "se", nem "mas" ou "ex". Todos memoriais, monumentos ou obras em memória e honra dedicados aos participantes mortos na guerra são erigidos e instituídos como monumentos ao combatente e nunca ao "ex-combatente". Nesse tempo e até ao fim da nossa traumática guerra colonial nunca ouvira falar de "ex-combatentes", nem existiram associações ou ligas de "ex-combatentes".

Penso eu, logicamente, que o que foi, foi, e não é possível de mudança: se fui dois anos consecutivos um combatente depois, acabada a guerra, deixei de o ser e já não fui? O que fui deixei de ser para tornar-me, transformar-me, num "ex", ou seja no que foi e deixou de ser.
Ter sido combatente numa guerra não é ter sido nomeado para o cargo de ministro ou empossado para um cargo ou função superior na administração do Estado. Pode dizer-se de alguém que foi um ministro afastado que é um ex-ministro mas não se diz de um combatente tombado que é um ex-morto. Semelhantemente, ninguém diz de um pensionista que é um ex-trabalhador, de um coronel na reserva que é um ex-coronel, tal como seria ridículo dizer-se de D. Afonso Henriques que foi o 1º ex-Rei de Portugal.
Ter sido combatente é tal qual como o Soldado, conhecido ou desconhecido, que foi herói condecorado num momento e ganhou intemporalidade: jamais poderá ser designado como ex-condecorado ou ex-herói condecorado.

Mas o "ex-combatente", a introdução desta denominação na linguagem dominante actual, talvez tenha tido uma motivação, subjectiva ou talvez mesmo objectiva, de acomodar o termo ao pensamento dominante anti-guerra colonial que prevaleceu até há poucos anos. A maioria dos que se escaparam para fora do país para não ir à guerra, foram na sua grande maioria intelectuais: políticos, artistas, escritores e homens de letras que também eram isso porque, além de sua capacidade intelectual e política para perceber a guerra, tinham capacidade de economia e conhecimentos para se organizarem e manterem lá fora sustentadamente.

Foram esses intelectuais que, regressados depois de Abril, ocuparam lugares dominantes na administração central, nas universidades, nas escolas, na literatura e em quase todos os meios culturais e de comunicação. Eles teorizaram e impuseram ao país o pensamento anti-guerra que os levara a fugir à tropa. Esse pensamento consistia em atribuir culturalmente a heroicidade aos opositores anti-guerra obrigados, pela consciência, a fugir para não matar numa guerra injusta, contra os combatentes obrigados, pela lei e força bruta do Estado, a dar o corpo às balas para matar ou não morrer.

Este pensamento dominante imposto pelos obrigados a fugir contra os obrigados a lutar, fez que durante muitos anos fosse tabu para os combatentes falar sobre a guerra. E se se viam na necessidade de falar dela, dado a inevitabilidade de poder ocultá-la ou esquecê-la, pelo facto concreto de existir exposto ao dia a dia, em ferida viva nunca tratada nem curada, milhares de feridos em combate feitos deficientes de guerra: era preciso suavizar os males do combatente fazendo-o "ex-combatente".

Deste modo os seus males e padecimentos, igualmente se tornavam ex-males e ex-padecimentos e os sofrimentos de fome e sangue passavam a coisa "ex", a ex-acontecimento: coisa que foi, há muito, coisa longínqua no tempo, coisa do passado, coisa que foi e já não é.
Esqueceram-se tais fabricantes desse pensamento dominante que se trata de marcas de sangue, de feridos deficientes físicos e mentais, de pais, mães, esposas e filhos que fazem romagem aos convívios anuais comemorativos do regresso, já normais e regulares entre combatentes, e sobretudo aos cemitérios onde ainda derramam lágrimas pelos seus mortos na guerra.
Esqueceram-se esses tais que, os sacrifícios de sangue nunca podem ser apagados, e pelo contrário, tendem a inscrever-se e perpetuar-se na pedra em tributo à sua honrosa memória. É o processo imparável que já se iniciou pela perda do medo de falar e contar tim tim por tim tim todos os horrores e felicidades passados nesse acontecimento histórico.

De tal modo se está dando a inversão do anterior pensamento dominante que os próprios esses tais são convocados e aceitam, sem corarem de vergonha, a fazer o discurso de elogio, quando não apologético, do comportamento cívico e militar do combatente.
Os combatentes foram o povo anónimo das aldeias remotas cujos descendentes se orgulham dos seus familiares combatentes e são hoje uma maioria dos portugueses: os troca tintas nunca perdem uma oportunidade de se misturar com a maioria do povo para melhor, outra e outra vez de novo, voltar a impôr ideias dominantes que sirvam interesses próprios.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

MEMÓRIA DE 10 DE AGOSTO DE 1961(*)


NAMBUANGONGO

Percorreram-se, desde Zala a Nambuangongo, 44 quilómetros de marcha contínua, realizando-se a progressão em lances alternados, com o apoio do pelotaão de artilharia que progrediu por escalões. Atingiu-se Nambuangongo às 9 horas de 10 de Agosto de 1961. Durante o percurso levantaram-se imensos "abatizes", destruiram-se instalações inimigas e beneficiou-se uma antiga passagem a vau no Rio Uembia, a 6 quilómetros do objectivo final, por a ponte existente se encontrar danificada, não permitindo o trânsito das viaturas.

Na povoação de Nambuangongo fez-se a ligação com o Batalhão de Caçadores nº96, que alí se encontrava desde as 17 horas do dia 9 de Agosto de 1961, procedeu-se à instalação do pessoal do E. Cav. 149 e deu-se-lhe merecido descanso.

Eram percorridos 180 quilómetros desde Ambriz, numa estrada eriçada de dificuldades, onde campeavam "abatizes" e valas que foi preciso remover e tapar; beneficiaram-se e construiram-se vários pontões; e transitamos por uma zona de população indígena sublevada e activa, como verificamos pelo número de acções realizadas. Mas, com uma vontade férrea, feita à custa de sacrifícios, de auto-domínio e da orientação imprimida pelo comandante da coluna, atingimos, em 16 dias, a que outora fora a povoação de Nambuangongo, transformada em escombros pela fúria destruidora do inimigo.

Sentiamo-nos cansados, mas felizes e cada um de nós fervilhava de orgulho por ter sabido cumprir a honrosa missão para que fora chamado.

Ao contrário do que aconteceu com as outras unidades que progrediram em direcção a Nambuangongo (Bat.96 e Bat.114), que sofreram ataques em massa, o Esq. Cav. 149 não permitiu esses encontros. Foi das três, a unidade mais rápida a progredir e, além disso, actuou no sistema de não criar hábitos que pudessem servir de referência ao inimigo. Nunca estacionou mais de três dias na mesma posição e iniciou a técnica da progressão nocturna.
Estes aspectos, aliados ao tiro de reconhecimento e ao tiro de apoio realizado pelo Pelotão de Artilharia 8,8, durante a progressão, o efeito de surpresa alcançado pelas acções realizadas contra o quartel da Cavunga, devem ter provocado ao inimigo não só desmoralização, como não permitiram a sua organização eficaz, pelo que este passou a actuar no sistema único de emboscadas, servindo-se de abrigos, ou beneficiando das condições do terreno, furtando-se a todo o contacto.

(*) - Do livro "História do Esq. Cav. 149" do Ten. Mil. Médico, Dr. João Alves Pimenta.
Editado em Luanda, 1963.